segunda-feira, 4 de abril de 2011

O Rock Paulista (por Jorge Vitzac)




"O rock feito em São Paulo não é melhor nem pior que os outros feitos em língua portuguesa - apenas diferente. Os textos refletem minha visão (a não ser quando citadas as fontes) sobre essa manifestação tipicamente anglo-saxônica, mas com uma identidade paulista, um sotaque próprio, um som diferenciado ..."


01 – Introdução

Existe sim diferença entre o rock feito em São Paulo com o rock feito em outras regiões do país. Se levarmos em conta a flexibilidade do estilo, que o permite se adaptar às manifestações culturais de qualquer canto do mundo, verificamos que essas diversas nuances culturais de nosso país também ditam as regras, de um modo geral, no som que é feito em determinados locais. É óbvio que uma banda como Sepultura não pode ser considerada mineira, ou outra como a Krisium não pode ser considerada apenas gaúcha, já que ambas fazem um som uniformizado pelo heavy metal mundial. Lembrando sempre que, ao lado do instrumental esmerado de cada uma delas, o fator língua inglesa também é importante para essa padronização.
Se voltarmos ao início de tudo, veremos que essa barreira (a língua) volta e meia assombra as bandas brasileiras. Foi assim no começo, quando os primeiros rocks feitos no país eram apenas versões do que era feito lá fora. Com o passar do tempo, fomos aprendendo a compor em português, mas as bandas que cantam em inglês tiveram grande repercussão nos anos 60, ao lado das versões de rocks gringos e alguns poucos sucessos genuinamente nacionais (sempre tendo como modelo o rock anglo-saxão, principalmente o da “invasão britânica” dos anos 60). Nos anos 70, cantar em inglês passou a ser charmoso e requisito básico para o sucesso em bandas e cantores românticos, além daqueles que ainda insistiam em regravar sucessos em inglês, na forma original (aproveitando que a importação de discos no Brasil impedia comprar os originais). Enquanto isso, o rock feito aqui, mesmo tendo um instrumental ainda nos moldes internacionais, já começava a perder a vergonha de cantar em português. E as primeiras experiências de misturar música brasileira com rock começam a ganhar corpo nos anos 70, via experiências como o rock rural e misturas regionais. Porém, a consolidação mesmo, deu-se nos anos 80.
Na década de 80, com o advento do punk rock , que simplificou ao máximo a forma de fazer rock, houve uma expansão em todo o planeta dessa forma de expressão musical. E o Brasil incorporou de vez o jeito de compor rock em português – primeiro copiando esses modelos punks, pós-punks e new waves gringos, mas logo depois, adentrando os anos 90, incorporando todos os elementos ditos nacionais possíveis, de norte a sul.
E, voltando ao início, sim, existe diferença entre o rock feito em São Paulo, por aquele feito no Rio de Janeiro, o do Rio Grande do Sul, o de Minas Gerais, o de Brasília, etc. Em cada uma dessas regiões, o rock que aprendemos a fazer nos anos 80 se consolidou nos anos 90 com as características de cada um desses locais. Por exemplo, se pegarmos uma banda dos anos 90 como a pernambucana Sheik Tosado, veremos que a premissa é o punk-hardcore, mas eles agregaram de uma forma natural elementos do frevo. Ou o ska, apresentado de forma bem britânica pelos Paralamas do Sucesso, mas que ganhou toques brazucas com o Skank, entre outros, também nos anos 90.
Talvez pelo pioneirismo, desde os anos 80, em seu ponto inicial de consolidação, os sons feitos em São Paulo sempre foram diferenciados em relação ao que era feito no resto do país. Pela própria característica urbana da cidade, as músicas ganhavam contornos soturnos, sinistros, na maioria das vezes privilegiando o lirismo nas letras, evidenciando o individualismo de se viver numa metrópole, e tendo muitas vezes como base a melancolia das bandas pós-punks britânicas (como as de Manchester, em sua atmosfera tão cinzenta quanto à da capital paulista). Ou até mesmo os sons de tintas concretistas de bandas de outra metrópole mundial, Nova Iorque. Não é à toa que uma das mais representativas coletâneas de bandas dos anos 80 em São Paulo seja a “Não São Paulo”, em seus dois volumes – alusão direta à coletânea “No New York”, que contava com experiências musicais similares.
O rock feito em São Paulo em muitos momentos servia de laboratório para a indústria musical, que tinha aqui sua “sala de testes”. Nesse contexto é que podemos inserir uma cena como a chamada “Vanguarda Paulista” (ou “Vanguarda Paulistana”), dentro da história do rock paulista, já que as experiências levadas a efeitos pelos músicos dessa cena (que não eram roqueiros na música, mas chegavam a ser punks na atitude), serviram de base para muito do que foi feito em matéria de rock e MPB anos mais tarde.



02 – A Gênese

Todos sabem que o rock´n´roll é uma manifestação cultural anglo-saxônica. Por isso mesmo, muitas vezes torcemos o nariz para o estilo como ele sendo estranho à nossa cultura tupiniquim. A primeira barreira óbvia é a língua, vindo logo depois o instrumental, além da questão cultural, onde está inserido o próprio nascimento do rock´n´roll. Originalmente, a raiz do estilo vem da junção do country western norte-americano com uma dose generosa do blues e canções spirituals dos escravos negros, que cantavam suas desventuras nas plantações do sul dos Estados Unidos da América. Na gênese do estilo encontramos os negros como pioneiros absolutos, mas que, por conta do racismo declarado em território norte-americano, foi protelando a explosão desse gênero musical. Ainda que rádios até se recusassem a tocar aquele ritmo criado pelos negros, o estilo ganhava as ruas, bares e casas de shows.
Vários negros já delineavam o estilo, cada um à sua maneira: Fats Domino, Little Richard (esse, além de negro, era gay), e principalmente Chuck Berry, o criador do riff rock´n´roll por excelência. Mas a hipócrita sociedade norte-americana não aceitava dar as glórias a um negro. Estava ficando incontrolável, até aparecer uma mina de ouro, chamada Elvis Presley: um cantor branco, mas com voz de negro, ou seja, a união do útil ao agradável (antes dele, até tentaram catapultar Bill Halley & His Comets, mas ele já era bem velhinho para o posto de ídolo da juventude). Assim, o rock´n´roll ganhou status de estilo musical próprio. O D.J. Alann Freed, que batizou o estilo como uma corruptela de algo como “agita e rola”, “detona e deixe detonar”, e por aí vai, não imaginaria nunca que aquele estilo musical seria o carro chefe da invasão cultural com a qual os norte-americanos ganhariam os jovens do mundo todo, incluindo seus desafetos da Cortina de Ferro.
Após seu início tipicamente norte-americano, no final dos anos 50, o estilo atravessa o Atlântico nos anos 60 e ganha a Inglaterra, de onde vem a chamada “invasão britânica”, capitaneada por Beatles, Stones, Kinks, Who, Animals, etc. E esses países acabam “trocando” décadas de influências, com os EUA voltando a dominar o mercado nos anos 70 (através de bandas como Kiss, Alice Cooper, e toda aquela parafernália do show business da “década dos exageros”), a Inglaterra volta a dominar nos 80, depois do furacão punk do final dos anos 70 e começo dos anos 80, aliado aos ritmos eletrônicos tipicamente europeus daqueles anos 80. E novamente os EUA retomam a liderança do mercado, com a invasão grunge nos anos 90, com Nirvana, Soundgarden, Alice in Chains, etc. A década seguinte retoma os sons oitentistas, a cargo de bandas britânicas como Franz Ferdinand, Coldplay, etc., e até mesmo de norte-americanos que invocam os anos 80 (britânicos), como Interpol.
E o Brasil, onde fica nisso?



03 – Manifestações Tupiniquins

Podemos dizer que o primeiro rock´n´roll gravado no Brasil foi “Rock Around the Clock” (aquela mesma, do Bill Halley & His Comets), em outubro de 1955, para promover o filme Sementes da Violência. Quem gravou? Uma cantora de samba-canção, chamada Nora Ney. O problema é que ela nada tinha a ver com rock, então só gravou essa música por questões comerciais. Anos mais tarde, bem mais sincera, gravaria em 1961 a música “Cansei do Rock”. Outra cantora, Heleninha Ferreira, aproveitaria a onda e gravaria uma versão em português dessa mesma música, em dezembro daquele mesmo ano de 1955, que virou “Ronda das Horas”. Essa foi uma das características dos primeiros anos do rock no Brasil: gravar versões das músicas em inglês ou fazer versões das músicas em português, fazendo com que o estilo ganhasse mais familiaridade, por conta das letras em português.
Um dos primeiros a se aventurar a escrever um rock próprio, em português, foi Miguel Gustavo, que entregou a música para ninguém menos que Cauby Peixoto gravar. Percebe-se aí que a resistência com os novatos era grande, pois os cantores e cantoras escolhidos eram todos medalhões da antiga MPB, antes mesmo da bossa nova, que dava seus primeiros passos naqueles mesmos anos do princípio do rock´n´roll. As músicas que dominavam eram as versões dos sucessos garantidos lá fora, pois o caminho era mais seguro que arriscar com novos compositores ou cantores, que ainda deveriam ser trabalhados com o novo público. Novo público que também tinha resistência dos mais velhos, que viam naquele ritmo a depravação dos costumes de nossos jovens.
Nesse ponto, é interessante notar como se deu diferentemente o florescimento do rock em terras brasileiras. O Rio de Janeiro era a capital, e por isso o centro das decisões do país. A Rádio Nacional dominava a mídia brasileira (aliás, como anos mais tarde faria também uma rede de televisão naquele mesmo Rio de Janeiro). Por isso, os maiores cantores, cantoras, bandas e conjuntos musicais concentravam-se na antiga capital federal. E por isso também que um fenômeno como esse, o rock´n´roll, tivesse sido “recepcionado” por gente que já estava no “comando” do show business brasileiro. Artistas e produtores tinham de se adaptar à febre do rock´n´roll que assolava o país, ainda que a contragosto (muitos deles com idade para serem pais dessa mesma juventude).
Diferentemente do Rio, São Paulo gerava um fenômeno espontâneo e começava a rivalizar com a capital federal de modo autêntico, com artistas que não tinham apoio nenhum de gravadoras ou produtores, como os do Rio de Janeiro. Pelo contrário, quem dava as cartas eram os próprios jovens, como bem exemplifica um casal de irmãos de Taubaté, São Paulo. Jovens e talentosos, os irmãos Tony e Celly Campelo gravaram o compacto “Forgive Me”/ “Handsome Boy” em 1958, lançando vários outros na seqüência, até o estouro com “Estúpido Cupido”, de Celly Campelo, música e LP inteiro, que vendeu mais de 100 mil cópias na época. Antes disso, Tony organizava bailinhos regados a rock´n´roll, chamando inclusive a atenção da polícia, mas também dos produtores, que acabaram convidando-o para comandar um programa na TV Record, chamado Crush em Hi-Fi (que de certa forma antecipava o fenômeno da Jovem Guarda, menos de 10 anos depois).
Depois dos irmãos Campello, um mercado se abria. Vários outros intérpretes e bandas trilharam os caminhos roqueiros da virada dos anos 50 para 60. Destaque para a onda de bandas instrumentais, inspiradas em Ventures, Shadows, etc. As bandas brasileiras não deviam nada às originais, e um dos motivos era justamente não ter a barreira da língua – já que a indefinição entre o português e inglês sempre acompanhou os artistas tupiniquins. Mas muitas dessas bandas começaram a colocar vocais em seu instrumental e voltaram à trilha das bandas “comuns”. Uma dessas bandas era os paulistas The Clevers, que chegaram a lançar um disco só com músicas instrumentais, mas logo adotaram os vocais, mudando o nome para Os Incríveis, fazendo sucesso até no exterior. Foram, inclusive, um dos expoentes da Jovem Guarda, anos mais tarde.



04 – A Jovem Guarda

Ainda que o nome tenha saído de uma citação do comunista Lenin (segundo o qual a “Jovem Guarda” iria dominar o mundo), a Jovem Guarda foi um movimento adolescente e descompromissado, além de controverso, por diversos motivos. Entre eles, aglutinou tudo o que se fazia pelos jovens em matéria de rock explícito no País. Seus programas nas tardes de domingo na TV Record batiam recordes e recordes de audiência, levando o público (principalmente as meninas) ao delírio. Para conseguir isso, conservando sua tradição de vanguarda e pioneirismo, a emissora paulista foi recolher na ex-capital federal o trio Roberto Carlos, Wanderléia e Erasmo Carlos.
O público jovem da época, em geral, era dividido entre os universitários (que gostavam de bossa nova e MPB tradicional) e os adolescentes colegiais (que curtiam as guitarras explosivas da Jovem Guarda). Isso trazia consigo aquele ranço de que a Jovem Guarda era coisa de acéfalos e entreguistas, já que se rendia à invasão roqueira no país, principalmente norte-americana (isso na visão desses universitários, em sua maioria de orientação política de esquerda). O símbolo maior desse embate foi uma marcha, promovida por Elis Regina e Jair Rodrigues, com aval de Gilberto Gil, ocorrida em São Paulo, contra as guitarras elétricas. E a discussão na época era tão séria que foi proibido, nos festivais, o uso das guitarras elétricas, dois anos depois.
A bem da verdade, as músicas da Jovem Guarda não tinham o objetivo de protestar contra nada, o que causava irritação na esquerda brasileira, que os considerava alienados, por conta da situação que o país passava. A molecada queria apenas se divertir, curtir seu carrão, sua guitarra e sua namorada, o que era visto com desdém pelos universitários, que apoiavam abertamente as canções de protestos que se apresentavam nos festivais da época. O auge foi sem dúvida a censura a Geraldo Vandré e à música símbolo da geração de chumbo, “Pra não dizer que não falei de flores”. Por conta do verdadeiro mar de pessoas que se juntavam para torcer por determinadas músicas, as aglomerações que os festivais provocavam traziam também um forte componente político, deixando os militares de orelha em pé. Com efeito, após o AI5, onde muitos políticos foram cassados e artistas exilados (a maioria saiu do país, sem ninguém pedir, fazendo “charminho” mesmo), os festivais foram perdendo essa característica, até perderem sua força e popularidade, esvaziando-se completamente nos anos 70. A Rede Globo ainda tentou fazer algo parecido nos anos 80, mas nada se comparava à catarse que esses espetáculos provocavam nos anos 60.
O programa Jovem Guarda durou pouco mais de dois anos, mas foi o suficiente para solidificar o rock no país (com ênfase na guitarra) e ainda de quebra coroar o maior cantor tupiniquim. Apesar de ainda predominarem as versões nos rocks apresentados no programa, o mesmo impulsionou a criação própria, com destaque para a dupla principal, Roberto e Erasmo Carlos, até hoje a dupla de compositores mais bem sucedida da música brasileira. E quando isso foi colocado a serviço do rock, ficou patente que não devíamos nada a ninguém (notadamente para a turma anglo-saxônica), pois conseguíamos fazer rock de tão boa qualidade quanto os de fora. Inclusive, uma das provas maiores disso foi a banda Mutantes, que teve seu auge logo após o fim da Jovem Guarda.
Misturando os elementos roqueiros daquele movimento, mais as orquestrações do maestro paulista Rogério Duprat (um dos moldadores da Tropicália), com toques generosos de humor e escracho, a banda paulistana foi tão vanguarda para a época que décadas mais tarde ainda arrebanhava fãs pelo mundo, sendo os mais famosos Kurt Cobain, do Nirvana, e o cantor Beck, ícone do rock de vanguarda de lá dos EUA. O trio paulista Arnaldo Batista, seu irmão Sérgio e Rita Lee fizeram uma anarquia tão grande na música, até desconstruindo ícones da MPB (como a música clássica do vozeirão “Chão de Estrelas”), que não tem como tirar dos mesmos o título de maior banda de rock brasileira de todos os tempos, pela popularidade que alcançou e pelos caminhos abertos durante os anos em que o trio esteve unido. Após um disco solo de Rita Lee (que contava com todos os Mutantes, podendo ser considerado um disco dos mesmos), ela deixa o grupo. A banda então começa a trilhar um caminho comum, onde começa a acompanhar a moda de fora (como a do rock progressivo), desprezando seu lado criativo e anárquico que a diferenciou de todas as outras, nacionais e estrangeiras, até terminar quase no ostracismo. Recentemente, Sérgio Batista retomou shows como Mutantes, mas nem de longe a banda lembra os anos áureos de fins da década de 60.



05 – Anos 70: Ame-o ou Deixe-o

Os anos 70 começaram no Brasil debaixo dos cacetetes do AI-5 e dos radinhos de pilha sintonizados na transmissão da Copa de futebol no México, onde a seleção brasileira encarnava um espírito ufanista de ser o melhor país do mundo em tudo. Mas como tudo o que é falso e construído com um propósito escuso, isso só serviu para nos anos posteriores dar folga do expediente quando tem jogo da seleção brasileira de futebol, e dar mais importância para os passes de futebol do que para as tramóias e pilantragens dos políticos em Brasília.
No rock brasileiro, vivíamos uma entressafra, pois isso acontecia lá fora também. Quem começava a dar as cartas no rock era o funk & soul em evidência nos EUA, depois da explosão de James Brown, em paralelo a movimentos sociais de orgulho negro, como os que deram as caras nas Olimpíadas daqueles anos, os “Black Panthers”. Por aqui, Tim Maia, Tony Tornado, e até mesmo ícones roqueiros como Roberto e Erasmo, entre outros, abraçaram o ritmo. E falando em ícones roqueiros que abraçaram esses novos estilos, vale registrar o lançamento, aqui no país, do disco “Let´s Dance”, da banda The Funky Funny Four, que nada mais era que a união de velhos roqueiros fazendo covers de músicas dançantes, como Lanny Gordin (guitarra), Liminha (baixo, dos Mutantes), Suely Chagas (vocal, ex-O’Seis, banda pré-Mutantes), Dinho (bateria, também dos Mutantes), Pedrinho (vocal, ex-Código 90) e, ainda, Lineu e Fernada nos vocais.
Em paralelo a essa onda de black music (que descambaria na disco music), havia a “gliterização” dos artistas. Os novos roqueiros davam mais valor ao visual que ao som, lançando a moda da maquiagem pesada. Destaques para Gary Glitter, T. Rex, David Bowie, bem como aos exageros de Arthur Brown, Kiss, Alice Cooper, entre outros. Mas artistas dos anos 60 também caíram na onda, como Bob Dylan, Stones, etc. E aqui no país, destaque maior para a androginia da banda Secos & Molhados, um dos maiores fenômenos da música pop brasileira de todos os tempos.
Capitaneada por João Ricardo, português radicado em São Paulo, a banda Secos & Molhados teve como mérito maior trazer para o rock a poesia em seu estado puro, em letras que musicavam versos, por exemplo, de Vinícius de Moraes e até mesmo alguns concretistas. Além disso, ao lado do parceiro Gerson Conrad, contavam com um cantor que escandalizou a todos na época, o polêmico Ney Matogrosso. Mas a banda flertava demais com a MPB para ser chamado exatamente de rock, o que cabia a outros grupos mais pesados e explicitamente influenciados pelo hard rock anglo-saxão.
Dentre os que optaram pelo caminho mais roqueiro, mais próximo do hard rock underground, podemos destacar os paulistas do Made In Brazil, banda que detém recorde de troca de membros (ainda que centralizados nos irmãos Celso e Osvaldo Vecchione, baixo e guitarra, respectivamente). Desde o início, no final dos anos 60, até hoje (ainda estão em atividade!) nunca abandonaram a veia roqueira, apesar de nos últimos anos privilegiarem mais o blues que o rock propriamente dito. Mas é privilégio de poucos permanecerem tantos anos na estrada, mesmo em escala mundial.
Um país continental, sem unidade cultural como o nosso (onde cada terra tem suas próprias características – e únicas), não poderia deixar de introduzir no “rock puro”, seus sons e ritmos. Assim, do Nordeste veio a “turma do Ceará”, que incluía Fagner, Belchior, Amelinha, etc., com seus elementos de MPB misturados a guitarras. De Minas Gerais, o Clube da Esquina fazia mais ou menos a mesma coisa, com os beatlemaníacos Beto Guedes, Milton Nascimento e os irmãos Borges, entre outros, tentando recriar um Cavern Club brazuca e utópico em solo mineiro. Da Bahia, o mais roqueiro Raul Seixas, que mesmo sendo fã de carteirinha (literalmente, que ele exibia com orgulho) de Elvis Presley, nunca deixou de gravar uma MPB ou um xote em seus discos, recheados de rocks e baladas que viraram hinos do cancioneiro popular brasileiro. E ainda tinha a turma do rock rural, como Sá, Rodrix e Guarabyra, que fizeram a festa dos hippies tardios sedentos por viajar pelo país.
No Rio de Janeiro, o forte sempre foi o mainstream, pois a cidade ainda vivia a ressaca de ter sido trocada por Brasília. Ser o centro das atenções significava se aliar às massas, e assim a cidade quase nada produzia em matéria de rock propriamente dito, pois o estilo cansara e as modernas bandas optavam geralmente pelo hard rock ou progressivo – ou seja, gosto duvidoso para jovens, já que cabia melhor aos intelectuais da música. O forte nas noites cariocas eram os funks & souls de gente como Tim Maia, Tony Tornado, Gerson King Combo e muitos outros, com seus bailes de periferia recheados do ritmo negro norte-americano. Essa proximidade fez com que a cidade, além de se afastar do rock, chegasse perto de uma nova tendência nos anos 70: a disco music.
Produto direto dos guetos latinos e negros norte-americanos, os primeiros traços de disco music no Brasil com efeito vieram através de gente já familiarizada com o estilo, como o próprio Tim Maia, além da mina de ouro inventada pelo paulista (mas carioca por adoção) Nelson Motta: as Frenéticas. Ajudada por uma novela “global” que tinha uma discoteca como centro das atenções, a mídia tratou de abafar tudo o que vinha do underground roqueiro nacional. Tudo virou uma enorme discoteca, desde o jeito de se vestir até às músicas pasteurizadas, fabricação de ídolos falsos, programas especializados no estilo, e assim por diante. O rock foi passado para trás, tornando-se algo atrasado e retrô. E assim quase foi enterrado em terras cariocas. Pouquíssimas bandas continuaram a trilhar o caminho roqueiro.
Em terras fluminenses, o Vímana não fez sucesso ou alarde algum quando em atividade, em meados desses anos 70, mas tinha em sua formação três caras que ajudaram a formatar o pop rock dos anos 80 em sua faceta carioca: Ritchie (cantor e flautista), Lulu Santos (guitarra) e Lobão (bateria). No entanto, como Vímana, lançaram apenas um compacto, com um som que era um arremedo de hard rock progressivo, que eles mesmos renegariam anos depois.
Também radicados no Rio, o Terço foi um dos destaques da década. Sérgio Hinds, guitarrista da banda, destacava-se pelo virtuosismo como guitarrista, depois de ter começado como baixista. Magrão ocupou esse posto (de baixista) por anos, tornando-se também um dos melhores do país. A banda gravou até em inglês, numa tentativa de atingir o mercado externo (o que conseguiu, em partes). Mas as constantes mudanças de formação também desestabilizaram a banda, que teve como obra-prima, em 1974, o disco Criaturas da Noite, com Flávio Venturini (que depois formaria o 14Bis, de maior sucesso comercial) nos teclados e vocais.
Mas o pólo mesmo dessas bandas mais underground e realmente roqueiras estava em São Paulo. Por exemplo, a paulistana Casa das Máquinas surgiu das cinzas dos Incríveis (filhos diretos da Jovem Guarda) e, como a maioria, flertou abertamente com o hard rock, característico da época. Polêmicos, seguiam à risca o ideal sex, drugs, rock´n´roll, e acabaram por motivos policiais, que envolviam a morte de um câmera da rede Record de televisão. Um de seus vocalistas (Catalau) ainda ajudou a fundar, nos anos 80, a banda Golpe de Estado, que praticamente continuava os passos da Casa das Máquinas, só que praticando um hard rock mais moderno.
Mesmo com uma carreira de sucesso nos anos 60, e tendo a vanguarda como seu ponto forte, os Mutantes fizeram jus ao nome e enveredaram por um caminho que seguia a tendência do rock progressivo que então começava a dar as cartas na cena mundial. Legal era curtir Yes, Gênesis e Pink Floyd, além de satélites como King Crimson, Gentle Giant, ELP, etc. Então, após a saída de Rita Lee da banda, Sérgio Dias tomou as rédeas e levou a banda para o lado mais trabalhado do rock, aquele erudito que, de tão chato, fez eclodir o punk, alguns anos mais tarde. Assim, uma banda que tinha uma carreira imaculada, acabou de forma melancólica no final dos anos 70, com seus membros originais seguindo rumos totalmente diferentes daqueles anos dourados: Rita Lee Jones e seu Tutti-Frutti, depois de namorar o pop rock, caiu de vez nos braços da disco music e new wave dos anos 80, tentando uma volta ao rock depois de vovó; Arnaldo Batista ainda lançou um disco solo a cara dos Mutantes (Loki?, de 1974), mas depois também enveredou pela trilha do hard rock, com a banda Patrulha do Espaço (na ativa até hoje); e Sérgio Dias, o timoneiro, exímio guitarrista, que andou até excursionando fora do país, ainda hoje tenta recriar encarnações duvidosas dos Mutantes.
Mas além destas bandas que abraçavam o hard rock e progressivo, tinha mais um filão que era praticamente monopólio de uma banda paulistana: o humor roqueiro. E isso estava a cargo do Joelho de Porco, que chegou a ter seu primeiro disco lançado como o “primeiro disco de punk rock do Brasil”. Não chegava a tanto, mas músicas como “Mardito Fiapo de Manga”, “São Paulo By Day”, “Aeroporto de Congonhas” e tantas outras que tinham a capital paulista como pano de fundo chegaram a ganhar as paradas, abrindo o caminho não exatamente para o punk, mas para bandas como as paulistanas Língua de Trapo e Premeditando o Breque, que, regados com muito bom humor, flertavam com todos os ritmos musicais conhecidos no planeta Terra, incluindo o rock´n´roll. Pensando bem, chamar o Joelho de Porco de punk rock não era de todo errado, pois além da ironia fina e críticas musicais, eles realmente anarquizaram a cena roqueira brasileira. Que seria salva do marasmo exatamente pelo punk rock.



06 – O Furacão Punk Rock

“De que adiantou Elvis Presley balançar os quadris e escandalizar o mundo se um bando de idiotas resolveu levar o rock a sério?”. Essa frase, creditada a Johnny Rotten, vocalista dos Sex Pistols, veio impressa num disco que ajudaria a mudar os rumos do rock brasileiro: “A Revista Pop Apresenta o Punk Rock”. Isso foi em 1977. A Revista Pop era uma publicação da editora Abril, que praticamente ditava a moda e o comportamento dos jovens daqueles anos 70. Num de seus números, eles resolveram encartar esse disco, apresentando ao país as bandas que faziam parte do “movimento” punk, que ela já vinha comentando há tempos em suas páginas. Como os lançamentos aqui eram regulados pelas vendas, as bandas que participavam do disco nunca teriam possibilidades de serem lançadas aqui, pois mesmo lá foram pertenciam a uma cena restrita. Assim, faziam parte do disco os polêmicos Sex Pistols, Jam, Eddie & HotRods, Siouxsie & Banshees, London, Ultravox, todos britânicos, além dos norte-americanos Ramones e Runaways, e a francesa Stinky Toys.
O grau de importância do disco é medido através do impacto que ele causou em uma série de jovens das periferias de São Paulo, onde a identificação com aquele som sujo, urgente, sem frescuras, com um discurso anti-sistema, foi imediata. Era a trilha sonora perfeita para esses jovens exibirem sua revolta contra o sistema de repressão vigente no país, a válvula de escape para as tardes de tédio e desemprego. Na parte musical, a lição número um desse novo movimento era que não havia necessidade de perder tempo em escolas de música: bastava comprar uma guitarra, aprender três ou quatro acordes, e sair berrando contra o sistema. Era o fim do som clássico e cheio de frescuras que o rock havia se tornado. E foi, com efeito, o que fizeram vários desses jovens. E algumas das bandas formadas nessa época estão em atividade até hoje, como os Inocentes (oriundos da Zona Norte) e o Cólera (da Zona Sul).
Pela notoriedade que a cena punk ganhava lá fora, um desses jovens, de codinome Kid Vinil, ganhou um programa aqui em São Paulo para apresentar as novas tendências do rock mundial nessa área. Assim, seu programa servia de farol para toda essa molecada, fomentando um sentimento de renovação do rock que começou a se alastrar pela cidade. Novas bandas eram formadas em todos os cantos, e tinham como similaridade, além do som cru e punk, o ódio ao sistema militar repressor. Por isso, além da capital, uma forte cena punk se formava no ABC, o centro industrial do país. Ali começaram nessa mesma época, os primeiros protestos e greves do país depois de anos, o que batia com os pensamentos punks de liberdade musical somada à liberdade de pensamento, já que vivíamos sob censura artística desde os tempos dos festivais.
Quase em paralelo ao surgimento da cena punk em São Paulo, Brasília tinha alguns filhos de altos funcionários públicos que tomavam conhecimento desse novo som através de viagens a Londres. No entanto, a cena de Brasília tinha mais sintonia com a cena pós-punk inglesa, que elevava o punk para um estágio mais próximo de um art-rock, de bandas como Joy Division ou Com-Sat Angels, influências diretas de bandas como o Aborto Elétrico. Quando acabou, o espólio musical do Aborto Elétrico foi dividido entre seus membros e suas novas bandas: Renato Russo formaria o Legião Urbana, e os irmãos Lemos formariam o Capital Inicial, que trouxe várias músicas da fase do Aborto Elétrico, como “Fátima” e “Veraneio Vascaína” (pra quem não lembra ou não sabe, Veraneio era o nome popular do veículo semi-utilitário C14 da Chevrolet, um veículo muito utilizado pela Polícia, que o pintava de preto com uma faixa branca, lembrando as cores do Vasco da Gama).
Ainda assim, tanto o lado mais introspectivo do punk britânico que era moldado em Brasília, quanto seu lado mais urgente e underground, que dava as caras em São Paulo, não passaram em branco pela mídia. As revistas da época começaram a noticiar que algo acontecia nos porões, e que vinha para derrubar as estruturas da MPB, tão conservadora que estava quanto o rock. Ambos se misturavam no tédio, refletido pelos artistas que ilustravam as paradas musicais. Alguns arremedos de festivais pulavam aqui e ali, e mostrava gente nova, mas quem dava as cartas eram os velhos medalhões de sempre. Poucos se atreviam a mudar alguma coisa. Um deles era Walter Franco, desde sempre um “maldito” da MPB. Uma prova é que sua música “Canalha”, que participou de um festival promovido pela extinta TV Tupi, fez sucesso entre os punks, por ter uma letra curta, grossa, um vocal agressivo e um refrão que servia de grito de guerra em protestos e passeatas.
Ainda que os festivais estivessem em descrédito entre a ala mais “pensante” dos jovens (depois de anos de censura e repressão) e mesmo entre os promotores (devido ao cansaço do formato, já que é difícil manter o entusiasmo do povo por tanto tempo), eles ainda eram escassamente realizados na virada dos anos 70 para 80. E foi exatamente nesses festivais que começaram a serem mostrados ao grande público os novos sons que, se não eram punks, eram cacos que sobraram do “big bang musical” de 1977.



07 – A Virada dos 70 para 80

Uma das facetas mais palatáveis do punk foi a new wave. E é a sub-divisão do punk que mais proximidade tem com a MPB, o que acabou se tornando a mina de ouro para os músicos que abraçaram o estilo e aos promotores de shows e gravadoras. O colorido das roupas traz automaticamente o colorido das músicas, fazendo com o que o estilo de bandas new wave, surgindo no começo dos anos 80, repercutissem diretamente na renovação da MPB e no surgimento do novo formato pop do rock brasileiro. Esse formato foi perdido nos anos 70, em meio aos sons ‘progressivóides’ em voga naquela década – era o que tínhamos em matéria de rock puro,verdadeiro, sem contaminação de MPB, seja brega ou chique.
Em paralelo ao furacão punk que ocorria no final dos anos 70, que motivou uma molecada no Brasil (e no mundo todo, diga-se de passagem) a pegar um instrumento qualquer e tocar, mesmo sem saber como, indo com a cara e a coragem, alguns músicos eruditos aproveitaram para retomar experiências atonais, minimalistas e dodecafônicas de músicos de vanguarda de anos anteriores. Na realidade, o caos dessas experiências sonoras encontrou ecos no punk, que queria a anarquia e o caos na música, mas não sabia exatamente como.
No Brasil, um dos expoentes dessa cena musical foi o músico paranaense, paulista de coração, Arrigo Barnabé. Aqui na capital paulista, Arrigo pôs em prática experiências sonoras jamais vistas em território nacional. O som era anarquia pura, sem começo nem fim, com narrativas em voz gutural que mais pareciam transmissões radiofônicas, emolduradas por vocais femininos, por vezes adocicados, por vezes cômicos, mas sempre balanceando o caos sonoro provocado pela banda de Arrigo. Além dessa anarquia sonora, difícil de digerir até pelos punks (já que fugia da batida reta do estilo barulhento), Arrigo ainda lançou seu disco de forma independente, pois nenhuma gravadora se interessou pelo material. Assim, em 1980, sai “Clara Crocodilo”, com créditos para Arrigo Barnabé e a Banda Sabor de Veneno. O disco independente rendeu bons comentários da crítica, mas vendeu pouco, como era de se esperar, tornando-se cult anos mais tarde, e sendo reverenciado até hoje como um ato de coragem lançá-lo, em todos os sentidos. Incluindo mostrar a todos a possibilidade de não depender de gravadoras para fazer seus próprios lançamentos, o que ia de encontro ao ideal punk de liberdade de expressão.
Junto com Arrigo Barnabé, uma série de bandas e artistas se juntava nessas experiências musicais, alguns tão radicais quanto Arrigo (como Itamar Assunção e a Banda Isca de Polícia), outros mais ligados ao escracho puro e simples (como o Língua de Trapo), bem como aqueles que juntavam tudo isso mais uma pitada generosa de MPB, como o Premeditando o Breque, além daqueles que pretendiam dar novos rumos àquela MPB capenga vigente, como o Grupo Rumo. Essa turma, e mais alguns cantores e cantoras avulsas, fizeram desse um movimento isolado, de características tão vanguarda e paulista que não por acaso ficou conhecida como Vanguarda Paulista. Não tinha nada de punk no som, mas era totalmente punk na atitude.
Curioso é que essa turma toda (da Vanguarda Paulista - ou Paulistana) praticamente tinha como ponto de encontro o Teatro Lira Paulistana. Nome inspirado na obra de Mário de Andrade, foi fundado como teatro, mas logo serviu de palco para apresentações que misturavam teatro e música, e até mesmo cinema (chegaram a transmitir filmes censurados na época, numa clara transgressão da ordem e atitude punk). Assim, a turma que ao mesmo tempo era marginal mas intelectualizada da Paulicéia teve como ponto de encontro, entre 1979 e 1985, um porão na Teodoro Sampaio, onde se espremiam cerca de 150 pessoas, para trocar idéias e experiências multimídias, antes da criação do termo – mas notadamente musicais.
Uma das características na formação de algumas dessas bandas, como a de Arrigo e de Itamar, era a contraposição entre vocais masculinos e femininos, travando diálogos por vezes cômicos, por vezes irônicos. E duas bandas em especial utilizaram essa mesma fórmula, dando ares mais tropicais, leves e pops ao som advindo dessa formação. A primeira foi a Gang 90 e as Absurdetes, formada pelo DJ carioca (radicado em São Paulo e colaborador da revista Somtrês) Júlio Barroso. Com vocais do próprio, mais três meninas de backing vocals, Júlio apresentou ao país os novos sons new wavers que estouravam mundo afora, mesclados com os sons tropicais brasileiros, praticamente formatando o som pop brasileiro dos anos 80. Sua participação em um Festival da Globo, em 1980, com a música “Perdidos na Selva” foi fundamental para mostrar ao país que um novo som estava surgindo. Anos mais tarde, a banda Blitz utilizaria a mesma fórmula da Gang 90 e da Vanguarda Paulista (vocais masculinos e femininos dialogando) para estourar em 1982 no que foi chamado de “verão do rock”, com a música “Você Não Soube Me Amar”. A partir daí, os clones do rock praieiro da Blitz começaram a surgir e ditaram moda nos anos seguintes. Literalmente.



08 – Rock da Mídia

O crítico musical Artur Dapieve chamou esse nove rock de BRock, nome que foi adotado por parte da crítica musical da década. Em um livro chamado “BRock”, fez uma hierarquia das bandas mais importantes da década de oitenta, num critério bairrista totalmente discutível. Dividindo as bandas como num campeonato de futebol, dividiu-as em bandas de Primeira Divisão, Segunda Divisão, e assim por diante. O problema é que, para ele, pertenceria a uma suposta “Primeira Divisão” bandas como o Vímana, que só teve os méritos de, na década anterior, contar com Ritchie, Lobão e Lulu Santos em suas fileiras. Só lançou um compacto, que a própria banda se envergonha, e ainda assim o crítico os coloca num grau de importância ao lado da Legião Urbana, por exemplo.
A mentalidade bairrista desse crítico musical vai além, dizendo que o rock brasileiro era aquele feito por bandas como Paralamas do Sucesso, Kid Abelha ou Barão Vermelho, e as bandas que assimilavam o gosto nacional invariavelmente tinham proximidade com o som dessas bandas cariocas. Foi assim com as paulistanas Titãs e Ultraje a Rigor, por exemplo. Ele diz textualmente que elas foram bem acolhidas pelo público justamente por fazerem o som nacional por excelência. A bem da verdade, essas bandas paulistanas realmente se aproximavam demais do som praieiro e festeiro das bandas cariocas, pois tinham no iê-iê-iê “tropical e regueiro” uma de suas maiores influências.
As bandas cariocas primavam em geral por esse lado ‘colorido’ e new wave da música pop. Os assuntos sempre giravam em torno de namoros e casos adolescentes, bem como estilo de vida em torno da praia e de festas. Não por acaso, estavam sempre no Cassino do Chacrinha e em programas da Globo e afins. Era um som de fácil assimilação, mesmo para a grande massa, acostumada a sucessos bregas da MPB. Assim, num mesmo programa de auditório poderiam se apresentar Ovelha e Barão Vermelho, Nahim e Kid Abelha, e assim por diante. Ainda que fosse dessa forma, muitas dessas bandas cariocas apareceram para o público através de um verdadeiro filtro de bandas independentes, a Fluminense FM, que tocava as fitinhas demos dessas novas bandas, e o Circo Voador, montado nas praias cariocas e que apresentava as bandas que tocavam na Fluminense FM. Foi assim, por exemplo, com a primeira de todas, a Blitz, que na verdade era formada por artistas egressos da trupe de teatro Asdrúbal Trouxe o Trombone. Ou seja, de novo, apenas a formação “banda”, pois como artistas, Evandro Mesquita & Cia, já davam as caras desde os anos 70.
Contando com apoio da poderosa Rede Globo (emissora patrocinada pelos militares e encarregada de “domesticar” o povo brasileiro), o que se pensava em matéria de rock brasileiro era aquele som festeiro e por vezes vazio vindo das praias cariocas. Não é à toa que as bandas paulistas foram limadas do primeiro evento de rock de grandes proporções no país, o Rock In Rio, de 1985. Com a finalidade de equalizar o rock feito aqui e o de lá de fora, muita gente que nada tinha a ver com rock marcou presença, como Ney Matogrosso e Gilberto Gil, além de outros duvidosos, como Baby e Pepeu. Aliás, a banda Paralamas do Sucesso tocou a música “Inútil”, do Ultrage a Rigor, a fim de homenagear a “maior ausência do festival”, segundo o próprio Herbert Vianna.
Como sempre, voltando no começo do rock no Brasil, São Paulo teve de “se virar” sozinho para fazer seu rock ser visto e ouvido. E sem precisar de patrocínio da grande mídia, foi se formando nos porões alternativos da capital um som próprio, separado do resto do país, apesar de encontrar alguns ecos em bandas de Brasília, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, provando que o rock nacional não era só aquele feito de guitarras quase havaianas ou regadas ao sol como o que se fazia em terras cariocas, vendida para a massa como rock, quando não passava de um pop açucarado e pronto para arrecadar muita grana.



09 - – A Diversificação do Rock Brasileiro

O Brasil é um país continental, e sua população se divide em manifestações culturais e sociais tão diversas que poderíamos, com tranqüilidade, formar uma América Portuguesa equivalente à América Espanhola, que é repartida em vários países (do México ao Chile, cada país tem sua própria característica, assim como têm os estados brasileiros, que poderiam formar países distintos). Basta verificar que uma das poucas coisas que nos une, de norte a sul, é a língua, já que o modo de vida de um nordestino não tem nada a ver com um gaúcho, assim como um paulista nada tem a ver com seus vizinhos cariocas, e por aí vai. Claro que isso se manifesta também no rock, uma cultura urbana que reflete e retrata o local de onde vem. Com isso, podemos dividir o rock brasileiro em diferentes nuances, de acordo com as características de suas metrópoles. Vale notar que, por conta de sua característica urbana, o rock nacional praticamente se concentra nas regiões Sul e Sudeste (principalmente nesta), excetuando-se a capital federal, por motivos óbvios.
No Rio de Janeiro, as bandas se caracterizam por fazer um som em geral alegre, pra cima, “colorido”, geralmente falando de praias, festas, amores, encontros e desencontros de jovens em busca de identidade, mas “curtindo a vida adoidado” enquanto essa identidade não vem. Foi com esse espírito que a banda Blitz inaugurou o “verão de rock”, em 1982, e praticamente ditou as normas de como seria o rock carioca desde então. Vieram na esteira Lulu Santos, Barão Vermelho, Kid Abelha, Léo Jaime (que na realidade é goiano), João Penca & Seus Miquinhos Amestrados, Paralamas do Sucesso, etc. Não raro, as bandas começaram a misturar o rock com ritmos latinos, caribenhos, etc., na esteira do caminho aberto pelos Paralamas – que eram muito comparados ao Police, tanto pela formação quanto pelo som, que bebia demais da fonte de ritmos jamaicanos, como o ska e o reggae.
Em Minas Gerais, o som das bandas pendia entre o rock soturno das bandas darks européias que estavam na moda nos anos 80 ao rock rural misturado com a MPB do Clube da Esquina, marca registrada da música mineira. Assim, podíamos encontrar bandas que faziam um som tipicamente paulista, como a soturna O Último Número ou a vanguardista Sexo Explícito (de onde sairia John, guitarrista do Pato Fu) até a Pouso Alto, embrião do que seria o Skank, que na virada dos anos 80 para 90 estourou em todo país com sua mistura de rock com ritmos latinos e dançantes nacionais. Mas em matéria de Minas Gerais, não podemos deixar de mencionar o Sepultura. Surgido em meados dos anos 80, em meio ao revival mundial do heavy metal, eles ganharam o mundo, abrindo o mercado exterior para outras bandas nacionais. Não bastasse isso, o álbum Roots ainda ajudou a renovar o próprio heavy metal, distanciando a banda dos anos em que ela apenas imitava as bandas gringas de Black metal, e elevando-a a uma das bandas de vanguarda do heavy metal mundial.
Em Brasília, cuja população jovem se caracteriza por filhos de diplomatas, políticos ou altos funcionários públicos, o acesso ao que vinha do exterior, em épocas de censura e restrição às importações, era mais comum. Assim, em finais dos anos 70, os jovens “burgueses sem religião”, não raro viajavam ao exterior, sozinhos ou com os pais a trabalho (ou não), e tinham acesso aos últimos lançamentos da época. E conseguiram enxergar que o punk poderia ir além dos “3 acordes” de Malcom Mc Laren. Assim, surgiram bandas que se consideravam punks, mas que já manifestavam os primeiros acordes do pós-punk que já vingava no exterior, mas que ganharia corpo em São Paulo, com força total, nos anos 80. Isso era refletido em bandas como a pioneira Aborto Elétrico, que se repartiria em duas das maiores bandas brasileiras daquela década, ou seja, a Legião Urbana e a Capital Inicial. A Plebe Rude também se destacou na década, com sua formação claramente inspirada no Clash.
No Rio Grande do Sul a marca também era a diversidade, mas com grande queda também para o som dark em voga nos anos oitenta. Essa diversidade compreendia sons totalmente punks, sarcásticos e críticos, como os feitos pelos Replicantes, até anárquicos como os da banda De Falla, que fez de tudo um pouco, incluindo a breguice do “Melô da Popozuda”, que fez sucesso em programas de apelo popular, como os apresentados pelo Gugu. Tinha ainda os “quase darks” Nenhum de Nós (que com o tempo foram assimilando sons nativistas gaúchos, chegando a gravar, por exemplo, com Renato Borgheti) até os populares Engenheiros do Hawaii, que também sofreram com as comparações com o Police, da mesma forma que o Paralamas. Humberto Gessinger, primeiro guitarrista depois baixista dos Engenheiros, foi uma figura polêmica, principalmente pelas letras pseudo-intelectuais e pelo forte apelo popular das melodias da banda, que ganharam o país, para delírio do público e ódio dos críticos.
Pulando para o Nordeste, vamos encontrar uma cena meio que homogênea no tocante à mistura com ritmos regionais. Desde os anos 70 artistas como Lula Cortês, Lailson, Zé Ramalho, Alceu Valença, entre outros, faziam misturas de rock com ritmos regionais, caindo para mais para esse lado que para o rock propriamente dito. Seria equivalente ao rock rural, mas sem a carga de “som cabeça” deste segundo. Somente nos anos 90, com o advento do Abril Pro Rock, em Recife, é que o rock propriamente dito daria as caras, mas sem deixar de lado o regionalismo. Assim, bandas como Nação Zumbi ou Sheik Tosado faziam, de certa forma, a mesma mistura de rock com ritmos regionais dos artistas dos anos 70, mas com a balança, desta vez, pendendo mais para o lado do rock. O Sheik Tosado, por exemplo, chegou a se proclamar criador do “hardcore brasileiro”. Uma variante, o “forrock” ou “forrocore”, mistura de punk rock com forró, acabou sendo criado pelos Raimundos, banda formada na capital federal e que começou a ficar conhecida através da participação em festivais como o (hoje) clássico Juntatribo (Campinas) e Abril Pro Rock (Recife).
Uma característica dessas cenas todas é que, em cada uma delas, houve o lançamento de uma coletânea que acabou virando a cara do som feito em cada um desses locais. No Rio de Janeiro, a coletânea Rock Voador, parceria da Fluminense FM com o Circo Voador, onde a maioria dessas bandas se apresentava. No Rio Grande do Sul, a coletânea Rock Grande do Sul com várias bandas símbolo daquele estado, nos anos 80, como Replicantes, Engenheiros, etc. Em Minas, a coletânea Rock Forte cumpria seu papel e apresentava as bandas mineiras e suas características para todo o país. Em Brasília, a coletânea (hoje disputada a tapas) Rumores não trazia grandes nomes se pensarmos em sucesso comercial e de mídia, mas era um tratado de como era o rock de Brasília de então. E em São Paulo, uma coletânea tinha a cara da cidade: os dois volumes de Não São Paulo, produção independente da loja/selo Baratos Afins, que retratava o som urbano e caótico característico da capital paulista.



10 – O Rock Paulista – dos Milhões

O rock de São Paulo sempre esteve à margem da mídia de massas, ao contrário do rock feito no Rio de Janeiro. As raras exceções eram exatamente aquelas que abraçavam o estilo carioca de fazer rock, ou seja, som alegrinho, guitarras limpas, geralmente com boas doses de ska e reggae no som, letras bobinhas, falando de coisas adolescentes, etc. Assim fizeram, por exemplo, os Titãs e Ultraje a Rigor, duas bandas que estouraram no cenário nacional seguindo a cartilha do rock carioca.
Os Titãs começaram como Titãs do Iê-Iê-Iê, com nove integrantes, oriundos de DCE’s de escolas paulistanas dos anos 70. Estrearam no lendário Lira Paulistana (diz a lenda que tiveram de completar o palco com mesas e cadeiras para caber os nove integrantes). Ciro Pessoa, um dos nove, sai da banda antes da gravação do primeiro disco. Formaria mais tarde a banda ícone do dark paulista, o Cabine C. Os Titãs foram uma das únicas bandas a se recusar a gravar um compacto, pois os variados estilos da banda não poderiam ser resumidos em uma música apenas. Assim, lançam os primeiros discos, apresentando um som calcado na new wave alegrinha que se fazia lá fora, ou seja, misturando o minimalismo punk a ritmos latinos, notadamente reggae, ska, e até lances caribenhos. Com sucessos nas rádios, ganharam a mídia, tendo como uma das atrações o cantor-dançarino-robô Arnaldo Antunes.
No entanto, fatos nebulosos envolvendo drogas, incluindo a prisão por porte de drogas de Arnaldo Antunes, e intrigas entre alguns de seus integrantes, por conta desses eventos, fizeram com que a banda desse uma guinada de 360 graus em seu som. Com a revolta latente, abandonaram os sons alegrinhos e fizeram o disco que com certeza está na lista dos melhores de todos os tempos de qualquer roqueiro nacional: Cabeça Dinossauro.
Cabeça Dinossauro atirava para todos os lados, atacando todas as instituições, através de música como “Polícia”, “Família”, “Igreja”, “Estado Violência”, etc. Do começo ao fim, o disco reúne letras que expressavam a revolta de seus integrantes com a sociedade, emolduradas em sons que bebiam diretamente da fonte punk mais visceral, chegando até ao hardcore, como em “A Face do Destruidor”. Mesmo sons dançantes como “O que” tinham toques punks na letra minimalista e concretista do poeta Arnaldo Antunes. E justamente ele, Arnaldo, no auge do sucesso da banda, deixaria o grupo algum tempo depois, talvez por não conseguir limitar sua criatividade em um formato banda.
Os Titãs ainda utilizaram a fórmula de Cabeça Dinossauro por mais alguns discos, chegando até a namorar o grunge em Titanomaquia, mas voltaram aos formatos anteriores quando fizeram o disco acústico na MTV. Após uma suposta liderança de Arnaldo Antunes, que não foi provada depois que ele saiu da banda (que continuou muito bem, obrigado), quem começa a se sentir preso no formato é Nando Reis, um dos melhores compositores da nova geração de músicos brasileiros. Ainda nos Titãs (onde todos são compositores), o são-paulino produz sem parar, e faz músicas que são gravadas por Marisa Monte, Cássia Eller, Skank, etc. Até que chega a hora dele também pedir o boné da banda e partir em carreira solo.
Desse mal não sofre o Ultraje a Rigor, já que é uma banda centralizada na figura de uma pessoa só: Roger Moreira. No início uma banda de baile, que tocava covers de rock’n’roll estilo anos 50, Beatles, etc., eles embarcaram na nova onda no início dos anos 80. Um de seus integrantes era o onipresente Edgar Scandurra, guitarrista do Ira, mas que, nessa época, tocava em diversas bandas do underground paulistano. Canhoto, notabilizou-se por tocar a guitarra sem trocar as cordas, como é procedimento normal de canhotos. E diz a lenda que foi ele quem batizou a banda de Ultraje a Rigor, ao repetir uma frase que tinha entendido errado.
A veia cômica da banda, que começa pelo nome, sempre esteve latente em todos os trabalhos da banda. Seu primeiro disco, por exemplo, é uma alusão direta ao sucesso que as bandas do Rio de Janeiro fazia na época: Nós Vamos Invadir Sua Praia. A música tema tem, inclusive, a participação dos cariocas Lobão, Selvagem Big Abreu e do carioca por adoção Léo Jaime. Mas a fórmula utilizada misturava as influências óbvias de rock’n’roll anos 50, com boas doses do humor paulista estilo Joelho de Porco, além dos sons alegrinhos do próprio rock carioca. Isso não tirou a cara de rock paulistano da banda, tanto que com o tempo ela foi se perdendo, o que, somado às constantes trocas de membros, além de um escândalo envolvendo Roger e uma tiete de menor (nada provado), acabaram deixando a banda no ostracismo, como todo sucesso que vem com a superexposição – o que vem fácil, vai fácil.
O mesmo pode se aplicar ao RPM. A banda do crítico musical Paulo Ricardo Medeiros encaixa-se exatamente nesse quesito: sucesso repentino, absurdo e conseqüente queda para o ostracismo, na mesma medida. Começando nos palcos mais obscuros de São Paulo (até mesmo no Madame Satã, ícone da cultura underground da época), a banda foi catapultada ao sucesso imediato com o hit “Loiras Geladas”, que antecedeu o multiplatinado Revoluções Por Minuto. O termômetro do sucesso é o mesmo para todos: vender mais que Roberto Carlos. E eles conseguiram. Mas a banda reeditou, em quase todas as nuances, o sucesso astronômico e relâmpago dos Secos & Molhados, nos anos 70. É praticamente impossível segurar tanto sucesso por mais de um disco. Mesmo um Ao Vivo feito às pressas, para aproveitar a onda, não foi suficiente.
E como em toda década tem um fenômeno (Secos & Molhados nos anos 70 e RPM nos anos 80), os anos 90 viram o estouro da banda de Guarulhos Mamonas Assassinas. Eles primeiro tentaram fazer um rock sério, com o nome de Utopia, mas logo descobriram a veia cômica e investiram nela. Mudaram o nome para Mamonas Assassinas e começaram a misturar heavy metal com sertanejo, além de tirar sarro dos pagodeiros que faziam sucesso na época. O público literalmente comprou a idéia, se divertindo com os shows da banda (chegaram a fazer 3 em um único dia). Venderam quase 2 milhões de discos até que, infelizmente, um acidente aéreo em Mairiporã ceifou a vida dos músicos da banda, em 1996, no auge do sucesso.
Essas bandas são bandas que atravessaram os limites do estado e ganharam o mercado fonográfico brasileiro. No entanto, a base para isso foi feita de muitas outras bandas e músicos, que sustentavam uma cena totalmente diferente do que era praticado no resto do país. O underground paulistano tem a cara da cidade: sons soturnos, caóticos, minimalistas, letras por vezes surreais e simbolistas, além daquelas críticas da sociedade e das instituições. Em geral, praticam um som que experimenta mais que copia, formando verdadeiros laboratórios de novos sons, estilos, cenas, etc.




11 – O Rock Paulista – do Interior

Duas bandas que representam bem esse laboratório de experimentos que servem de base para novas sonoridades são do interior paulista. Uma delas vem de Sorocaba, e teve seu nome formado a partir de um sorteio aleatório de letras: a banda Vzyadoq Moe; outra vem de Santos, e, devido à proximidade com o maior porto da América Latina, tinham acesso aos instrumentos eletrônicos que pouca gente tinha, inclusive na capital: trata-se do Harry, ícone maior dos sons eletrônicos brasileiros.
A banda Vzyadoq Moe teve seu único LP (O Ápice) lançado em 1988, produzido pelo crítico musical José Augusto Lemos (há um lançamento não oficial nos anos 90, mas lançado apenas no formato CDR). Seu maior mérito foi seu maior pecado: o excesso de intelectualidade nas letras. Só para exemplificar, o lado A do LP foi chamado “Da Finitude Carnal” e o lado B, “Da Ressurreição”. Isso já mostra o tom das letras, de difícil assimilação até por iniciados e veteranos. No entanto, na parte instrumental, a banda contava com uma bateria não convencional, feita de latas! O resultado pode parecer estranho, mas foi o embrião de sons que anos mais tarde fariam sucesso em outro ponto do país: o mangue beat de Pernambuco. A mesma batida da música “Não Há Morte”, por exemplo, é encontrada em várias outras da Nação Zumbi, de Chico Science. Este, não por acaso, era fã confesso das bandas do underground paulista dos anos 80.
A banda Harry foi formada no início dos anos 80, e fazia um som calcado nas guitarras pesadas de Jesus & Mary Chain e outros sons alternativos desse naipe, mas com uma boa dose de eletrônica. Seu primeiro EP contava com uma menina nos vocais, que logo saiu da banda. A mudança de formação também influenciou a mudança de som, com a banda assumindo de vez o lado eletrônico e seus experimentos. O primeiro disco da banda (Fairy Tales) é um clássico do estilo, sendo reconhecido até no exterior. A capa, maravilhosa, faz uma alusão à Cubatão, na época uma das cidades mais poluídas do mundo. Mesmo com samples em doses generosas, os teclados conseguem fazer músicas que são, ao mesmo tempo, fáceis e deliciosas de serem ouvidas e dançadas.
Nos anos 90, destaca-se outra banda de Sorocaba. Os meninos do Wry começaram tocando em buracos de tudo quanto é tipo, fazendo um som energético calcado nos sons indies característicos dos anos 90 (com bastante distorção nas guitarras – daí a alcunha de guitar bands, como no exterior). No entanto, cantando em inglês, optaram pelo inusitado: resolveram abandonar Sorocaba e ir tocar nos pubs britânicos, vivendo numa verdadeira ponte aérea Sorocaba-Londres.
A se destacar também uma cena forte no Vale do Paraíba, principalmente nos anos 90. Dentre elas, a fofíssima Vermelho 40, com seu vocal feminino encantador, bem como a banda de gothic rock Elegia, que se destaca justamente por seus lançamentos de qualidade internacional e por serem os únicos brasileiros a terem tocado no Wave Gothic Treffen, o maior festival gótico do planeta; e por duas vezes!
De Pindamonhangaba vem a banda Zumbis do Espaço, que pratica um horror punk totalmente inspirado em Misfits, tão politicamente incorreto, mas ao mesmo tempo divertido e non-sense, quanto dos norte-americanos. De produção prolífica, a própria banda tem o selo 13 Records, que lança a banda e mais algumas outras, no melhor estilo do-it-yourself. Além desses trabalhos, o figuraça Thor (vocalista do Zumbis do Espaço) ainda tem outros projetos paralelos, que evocam principalmente os sons cow-punks.
Voltando ao litoral, mas já nos anos 90, uma banda ganharia a mídia de todo país: o Charlie Brown Jr. No começo uma banda de metal que cantava em inglês, aceitou a sugestão de cantar em português e assumir a influência do skate na vida de seus integrantes. Com isso deixaram o underground, e ganharam as telas das TV’s, já que algumas de suas músicas serviram até de tema de programas globais. Além, deles, na linha hardcore noventista temos o Garage Fuzz, de vida duradoura, pois estão em atividade até hoje, mesmo sem ter uma música tocando nas rádios.
Mas não tem como discutir o fato de que o underground ferve mesmo é na capital. Ainda que essas e outras bandas venham do interior, elas só tiveram o reconhecimento merecido quando tocaram na capital. A infra-estrutura oferecida vai de gravadoras e selos a casas de shows, bares e boates que tinham coragem de tocar o som das garagens. Além do mais importante: público em quantidade suficiente para sustentar essa estrutura toda, de banda, palco, casas de shows, etc. E mesmo as mídias, como jornais e revistas, além de programas de rádio e TV específicos para essas bandas, novas ou não, se concentram na capital.



12 – O Rock Paulista – dos Bastidores

E falando em rádio e TV, não tem com não lembrar de um dos maiores incentivadores do rock paulista, desde sempre, que foi o Kid Vinil. Agitador cultural, vinha da cena punk, onde começou a carreira como vocalista da banda Verminose, que depois virou Magazine. Mas o forte dele mesmo eram os bastidores. Assim, no final dos anos 70, tinha um programa de rádio em que tocava as novidades dos sons punks e alternativos da época, depois outro nos anos 80, até o comando de programas de auditório específico para bandas novas na TV Cultura (como os extintos Som Pop e o especializado em apresentações de bandas Boca Livre, também já fora do ar). Ainda dirigiu a gravadora Eldorado (que alavancou o lançamento de várias bandas undergrounds de lá de fora, incentivando a produção daqui também), além de rádios, como a Brasil 2000, mais recentemente.
Outro agitador cultural que merece destaque é Luis Calanca, dono da loja e selo Baratos Afins. Para começar, Calanca instalou sua loja, ainda nos anos 70, em um local quase abandonado da cidade. Sua visão foi premonitória, pois podemos considerá-lo o inaugurador do ponto de encontro dos roqueiros paulistas e paulistanos, que é nada mais nada menos que a Galeria do Rock. Estabelecido como lojista, Calanca resolveu se aventurar no lançamento de novas bandas, depois de uma experiência bem sucedida em lançar um disco solo do ex-mutante Arnaldo Batista. Assim, o selo Baratos Afins foi responsável pelos mais variados lançamentos, fazendo um mosaico de tudo o que era feita na cena roqueira paulista dos anos 80. Os lançamentos iam do trombonista Bocato às bandas de heavy metal, passando pelos darks, cults e góticos da época. Calanca ainda produziu algumas bandas, como a Coke-Luxe, rock’a’billy de qualidade também lançado pelo selo. Sem Calanca, com certeza a história fonográfica do rock paulista seria mais pobre.
Assim como a Baratos Afins de Calanca, outra loja que se aventurou nos lançamentos foi a Wop-Bop de René Ferri. René também é um entusiasta do rock nacional, e lançou, entre outras bandas, as paulistanas Violeta de Outono (uma das mais cultuadas bandas do rock brasileiro, até hoje) e Fellini (o último disco antes da volta da banda nos anos 2000, já que os três primeiros foram lançados pela Baratos Afins), bem como a sorocabana Vzyadoq Moe e seu primeiro disco. A se destacar também a coletânea de raridades do rock nacional, desde seus primórdios, que ganhou a singela alcunha de Censurar Ninguém se Atreve. Através deste lançamento, o público roqueiro teve acesso a raridades e curiosidades perdidas nas gravadoras e rádios brasileiras, como as primeiras gravações do rock nacional (citadas no início, como Nora Ney e Cauby Peixoto).
Outro fator importante para a proliferação do rock nos anos 80 foi a disseminação das danceterias. Herdeiras das discotecas dos anos 70, as danceterias começaram a abrir espaço para as bandas, como forma de diversificar seus produtos, que era basicamente o “som de fita”, a cargo dos DJ.’s. Assim, começam a surgir casas como o Napalm (de curta duração, mas que foi palco da primeira apresentação de bandas como Legião Urbana e Capital Inicial em São Paulo), Estação Madame Satã (palco de vários shows de bandas punks e pós-punks que apareciam em São Paulo, incluindo o RPM, que anos mais tarde viria a ser a banda n.º 1 do país), o Aeroanta, o Dama Xoc, Espaço Retrô, etc.
Mesmo as casas grandes começam a abrir para shows mais underground, como Siouxsie & Banshees, The Cure, Ramones, Echo & The Bunnymen, PIL, etc. Casas como o Palace, o Olympia e até mesmo o Palácio de Convenções do Anhembi. Destaque maior para o Projeto SP, casa exclusivamente de shows que durou tempo suficiente para solidificar uma cena roqueira alternativa em São Paulo. Assim, passaram por lá Iggy Pop, Stray Cats, Cocteau Twins, D.R.I., The Mission, Sisters of Mercy, Toy Dolls, entre tantas outras bandas dos mais variados estilos e cenas. O Sepultura gravou seu primeiro clipe lá. O curioso eram os shows de cantoras como Mara ou Angélica, intercalados entre os nomes mais undergrounds da cena roqueira mundial, que, segundo seus donos, faziam a renda para sustentar shows deficitários, como muitos que passaram por lá.




13 – O Rock Paulista – dos Sotaques

Quando se fala em rock paulista, com certeza a primeira banda que vem à mente da grande maioria é a banda Ira!. Talvez um dos motivos seja a polêmica “Pobre Paulista”, primeiro compacto da banda, onde dizem textualmente “não quero ver mais essa gente feia, não quero ver mais os ignorantes, eu quero ver gente da minha terra, eu quero ver gente do meu sangue”. A música trouxe muitos dissabores à banda, que foi taxada de xenófoba e até nazista – para complicar mais ainda a situação da banda, o apelido do vocalista era “Nazi”, depois trocado para “Nasi”. Ele e Edgar Scandurra, o guitarrista e principal compositor da banda, vieram da banda punk Subúrbio, e trouxeram para o Ira as várias composições de quando Edgar servia o Exército (um dos primeiros sucessos da banda, “Núcleo Base”, diz: “eu quero lutar, mas não com essa farda [...] mas não for essa farda”). Daí a carga de revolta em muitos sons, fazendo com que a banda fosse simpatizada por new wavers e punks na mesma medida. Aliado a isso, Scandurra, que é canhoto mas toca guitarra sem trocar as cordas (proeza de poucos no mundo), simpatizou com os mods, uma das gangues britânicas dos anos 60 que serviram de influência direta para skin heads dos anos 60 e punks nos 70.
A polêmica da música “Pobre Paulista” virou os refletores para a banda, que explicou, explicou, explicou, mas para muitos, até hoje, não trouxeram argumentos suficientes para desfazer a imagem negativa que a música trouxe para a banda. Tanto que eles se recusaram a gravá-la no primeiro disco da banda. Mas como a música era um hit nos shows, autorizaram colocar uma gravação ao vivo, que já tinha sido feita, para não deixar o público sem uma audição oficial da música. O mesmo serviu para o lado B do compacto, “Gritos na Multidão” – ambas foram gravadas no mesmo show de lançamento, na Broadway, em São Paulo, e tiveram a participação da guitarrista Ana Maria, das Mercenárias – banda punk totalmente feminina e identificada com a cidade (Scandurra, aliás, tocou bateria nas Mercenárias, antes da entrada da baterista Lou).
A banda Ira! (que acrescentou a exclamação no nome pouco antes de lançar o primeiro disco, Mudança de Comportamento) faz um som urbano, calcado no trio básico do rock, ou seja, baixo-guitarra-bateria, mais o vocal cheio de sotaque, que não nega a origem paulistana. Sem arranjos complicados no instrumental das músicas, as letras retratam o cotidiano da cidade. As referências à cidade de São Paulo nunca são diretas, mas os temas têm tudo a ver com a metrópole. Poucas bandas têm essa identidade com a capital quanto eles. Talvez a que chegue mais perto seja a outra banda paulistana por excelência: o 365.
A banda 365 (“Três Meia Cinco”) surgiu das cinzas da banda Lixomania, a primeira banda brasileira a gravar um compacto solo, isso em São Paulo – 1982. Após várias mudanças na formação, Miro, o baterista e único remanescente da Lixomania original, resolveu mudar o nome da banda, pois além das mudanças de formação, havia também a mudança no estilo de som da banda. Se antes o Lixomania se espelhava nos sons hardcore nórdicos, agora o 365 se espelhava no Clash e nas bandas ditas “rock de combate”, que em geral falavam de lutas contra o sistema. Foi com esse espírito que eles gravaram “Grândola Vila Morena”, uma música que serviu de senha para a Revolução dos Cravos, em Portugal, nos anos 70 (o pai de Ari Baltazar era português, e inclusive toca a guitarra portuguesa na introdução da música, na gravação que foi lançada na coletânea Não São Paulo). A identificação dos paulistanos com a música foi tanta que até hoje é impossível a banda fazer um show e não tocar essa música. É praticamente um hino, assim como outros em que o público canta junto, como num mantra. Um desses hinos pode ser considerado o Hino dos roqueiros à cidade de São Paulo: a música “São Paulo”.
Lançada no primeiro disco da banda (na verdade um máxi EP), a música “São Paulo” não traz uma louvação à cidade, mas faz uma declaração de amor ao mesmo tempo simbolista e minimalista, como era característico dos punks. Diz no trecho principal e mais inteligível “(...) frio e garoa na escuridão ... sem São Paulo, o meu dono é a solidão (...)”. Ou seja, nada de muito soberbo, mas emoldurado por uma melodia cativante e linda, que caiu no gosto do roqueiro da cidade e do estado. O sucesso nas rádios roqueiras foi imediato, mas a pouca exposição anterior da banda trouxe um pequeno problema: muita gente achava que a música era do Ira!. Provavelmente por conta dos precedentes (“Pobre Paulista”), bem como ao maior sucesso que eles gozavam que o 365, aliado ao fato de que os sons de ambas as bandas eram bem similares (próximo ao formato pós-punk britânico). Até hoje o vocalista Finho (um dos autores da música) brinca nos shows dizendo: “agora vamos fazer uma cover da banda Ira!”. Uma injustiça que provavelmente nunca será reparada.
Outra banda que tem a cara da cidade é uma das primeiras filhas diretas da revolução do punk rock no país: Os Inocentes. Já no primeiro disco, independente, o primeiro disco de punk rock do Brasil (o Grito Suburbano, lançado em 1982, junto com as bandas Olho Seco e Cólera), a banda gravou um de seus muitos sucessos do underground: “Pânico em S.P.”. Nessa música, profeticamente ao que ocorreu na cidade quase 20 anos depois, eles narravam um suposto alarme de caos na cidade: “As sirenes tocaram, as rádios avisaram que era pra correr e as pessoas assustadas e mal informadas puseram-se a fugir sem saber do quê ...Pânico em S.P.! (...)Chamaram os bombeiros, chamaram o Exército, chamaram a Polícia Militar, todos armados até os dentes, todos prontos para atirar (mas em quê?) ... Pânico em S.P.! (...)”
Os Inocentes, desde sempre comandados pelo figuraça Clemente, trilharam os caminhos do pós-punk, e tiveram outros hits, inclusive em rádios de rock dos anos 80 e 90. Mas nunca alcançaram o mainstream, justamente por não abandonarem as raízes punks, seja nos sons sem concessões comerciais ou nas letras cheias de protesto. Alguns deles, como o Ira!, falam do caos urbano e da rotina de se viver numa metrópole, que era associado automaticamente à capital paulista. Exemplos não faltam, como “Rotina”, “Não Acordem a Cidade”, “Garotos do Subúrnio”, etc. . Uma em especial também se tornou um hino da banda: “Pátria Amada”, que até hoje é cantada em uníssono pelos fãs, justamente por denunciar as mazelas a que o povo é submetido pelos políticos de Brasília (“Pátria amada, de quem você é afinal? É do povo nas ruas ou do Congresso Nacional?”).



14 – O Rock Paulista – do Underground

O que seria do mainstream se não fosse o underground? No começo dos anos 80, a cena paulistana fervilhava e desse turbilhão de idéias foram surgindo as bandas e artistas que dominaram e dominam o mercado até hoje. Mas o que era feito nos porões das casas noturnas não teve parâmetro em praticamente nenhuma outra época. Nos anos 50, 60 e 70 estávamos praticamente copiando o que era feito lá fora, incluindo o hard rock setentista, que talvez tenha sido a maior manifestação roqueira na música, até o advento do punk rock. Com o punk rock, o músico não precisava passar anos em conservatórios de música para fazer seu som, mas poderia simplesmente comprar uma guitarra e sair tocando na mesma hora. Em algumas ocasiões, as guitarras foram substituídas por teclados, que cumpriam o mesmo papel. Foi assim com várias bandas que optaram por fazer um som da maneira punk, sem ser exatamente punk.
Assim eram bandas como Agentss, Azul 29 ou Fellini, entre outras. Bandas que não eram punks no som, mas punks na atitude. Isso contava muito, pois essas bandas fugiam do padrão de massas impostos por programas de televisão ou de rádio. Além disso tentavam apontar novos caminhos e novos rumos para o rock praticado por aqui. Uma característica totalmente paulista, seguindo os passos da Vanguarda Paulista da virada dos 70 para os 80. Tanto que poucas dessas bandas tiveram lançamentos prolíficos. Agentss, com toda sua carga de importância no underground, não teve mais que 2 compactos lançados (totalizando apenas 4 músicas guardadas para a posteridade). Azul 29 idem, assim como outros que tiveram apenas um LP lançado, como Voluntários da Pátria, Esquadrilha da Fumaça e tantos outros.
No underground paulista o que importava era quebrar regras, tentar ir além do que os anteriores fizeram, fosse em matéria de punk, pós-punk, eletrônicos ou mesmo heavy metal – ou ainda nenhum desses estilos, o que era melhor ainda. Além do som, uma característica dessa cena eram a troca de integrantes. Assim, membros da Voluntários da Pátria ou Ira! também tocavam nos Agentss ou Violeta de Outono, que poderia trocar músicos com o Kafka ou Zero, acabando até nas redações musicais, onde críticos musicais se misturavam entre suas canetas e gravações, podendo ser membros de banda ou produtores musicais. Isso tornava a coisa toda como uma irmandade, chegando a parecer um clube fechado, onde quem não era daqui não podia entrar. Isso foi bom para manter a integridade da cena, mas foi ruim pois praticamente decretou seu fim, devido justamente a esse caráter de clube fechado. Sem suporte financeiro e respaldo do mercado, acabou se consumindo em si mesma, tornando-se uma cena característica dos anos 80, e só.
Talvez uma das únicas bandas que tenham ultrapassado a marca do disco único tenha sido o Fellini, banda característica e símbolo dessa cena. Sua sonoridade abarcava o pós-punk característico dos pubs londrinos da época, com sua sonoridade soturna (que calçava como uma luva no cenário poluído e caótico da grande metrópole bandeirante), mas também evocava pitadas de bossa e MPB, trazendo para nossa realidade o caldeirão sonoro evocado pela banda. Seus líderes eram o vocalista Cadão Volpato, jornalista que dividia seu tempo entre revistas e como apresentador de TV, e Thomas Pappon, outro jornalista que publicava regularmente seus textos e críticas na revista Bizz. Os dois eram a alma da banda, que foi escudada por Ricardo (bateria) e Jair Matos (guitarra) no primeiro disco.
Cadão Volpato, certa feita, numa entrevista à Radio Onze (rádio do C.A. XI de Agosto, da Faculdade de Direito de São Paulo), concedida a Rodney Brocanelli, entre outras coisas, declarou: “Se fossemos lançar um trabalho hoje, teríamos muito mais espaço. Era um som que é a cara de São Paulo. Uma coisa que me deixou confiante no que fazíamos foi quando a Per Lui, uma revista italiana de vanguarda, fez uma matéria com o Fellini. Eles achavam que a banda representava o espírito de São Paulo. Acho que estavam certos: um nome italiano, uma proposta cosmopolita urbana e uma mescla de samba eletrônico e que talvez passasse um pouco por Mutantes. Tinha muito disso”.
Quase respaldando o que Cadão disse, no mesmo veículo, Thomas Pappon emendou: “Eu acho que são duas as principais contribuições do grupo ao rock e que deixaram a gente com esse status de banda cult. Uma é a música do Fellini, muito legal, instigante; o Cadão é um letrista extraordinário. A outra é o comportamento, é a atitude: o Fellini era uma anti-banda. Fizemos isso propositalmente para mostrar um pouco como é ridículo você seguir determinados padrões de comportamento dentro da indústria musical, tipo se associar a uma gravadora, ter um comportamento típico de banda de rock, destruir hotéis, fazer solos de guitarra, usar cabelos compridos, adotar uma postura ‘rebelde’, esse tipo de coisa. A gente sempre foi contra tudo isso, contra esse pólo musical determinado pelas gravadoras do Rio de Janeiro. A gente sempre detestou essas bandas cariocas...Barão Vermelho, essas coisas que tinham na época. E em São Paulo nessa época havia outro polo...era sub, era ‘sub-tudo’ mesmo...era undergruond mesmo, era o sub-underground...”
Thomas Pappon, aliás, foi um típico músico do undergroung paulista dos anos 80: participou, entre várias bandas, do Voluntários da Pátria, do Fellini e do Smack. Algo como Edgar Scandurra, que também tocou em meio mundo de bandas de São Paulo na época. E ambos acabaram se encontrando no Smack, praticamente uma super banda do underground. Contando com Pamps na guitarra e vocal, tinha Edgar Scandurra na guitarra, Thomas Pappon na bateria e a super baixista Sandra Countinho, que ficou conhecida como baixista nas Mercenárias, outra banda emblemática do underground paulistano.
As Mercenárias merecem um capítulo à parte. Era formada por Rosália (vocal), Sandra (baixo), Ana (guitarra) e Lou (bateria – mas antes, quem tocava bateria era Edgar Scandurra). Foram uma das poucas bandas punks femininas num cenário quase totalmente masculino. Depois de uma fita demo gravada rusticamente e de um som quase hardcore, tiveram a oportunidade de gravar o primeiro disco através do selo Baratos Afins. Mas já tinham pisado no freio em termos musicais, trilhando um caminho mais pós-punk, trabalhado, e elaborado. Esse primeiro disco torna-se um clássico do underground paulista, o que as fazem ser contratadas pela gravadora Continental. No entanto, no segundo disco, elas apresentam um som totalmente mergulhado no caos da vida urbana, bem como a desesperança daqueles tempos modernos. Tanto que a Continental, a gravadora, ficou perdida, sem saber o que fazer, e como lançá-las no mercado; acabou optando pelo caminho mais cômodo e imoral: dispensou-as de seu cast. A banda se separou logo em seguida, apesar de ainda se apresentar esporadicamente, com diversas mudanças na formação.



15 – O Rock Paulista – do Heavy Metal

Herdeiros diretos das bandas de hard rock dos anos 70, as bandas de heavy metal de São Paulo vinham se mostrando desde o começo dos anos 80, junto com a explosão do punk. Mesmo lá fora, essa união de estilos já vinha dando seus frutos. A própria New Wave Of British Heavy Metal, cena de onde saíram, entre outros, Iron Maiden e Saxon, era uma resposta do heavy metal ao punk rock, que ditava as regras na virada dos anos 70 para 80. Aqui, não era incomum bandas de metal tocarem junto com bandas de punk. Isso, no entanto, até as cenas de solidificarem. A cena punk começou a se organizar com o lançamento do Grito Suburbano, primeiro disco de punk rock do mercado nacional, lançado de forma independente, em 1982. Logo após o lançamento do compacto do Lixomania, no final daquele mesmo ano, outra coletânea é lançada em 1983, a SUB, com mais bandas.
No heavy metal, pelo contrário, uma característica nos lançamentos era a exclusividade. Assim, o primeiro disco de heavy metal brasileiro é considerado o da banda Stress, de Belém do Pará. Depois deles, a banda Karisma, do ABC paulista, lança de forma independente seu primeiro LP, todo gravado em inglês. Idem para os santistas do Vulcano, que lançam o primeiro disco de black/death brasileiro, totalmente gravado ao vivo, o Vulcano Live!. Mas um par de coletâneas ajudou a catapultar o estilo por aqui. Trata-se da SP Metal I e SP Metal II, ambas lançadas pela Baratos Afins, reunindo as bandas mais promissoras do estado em dois discos fundamentais para o heavy metal brasileiro. Além dessas duas coletâneas, a Baratos Afins ainda lançou a São Power, já nos anos 90, reunindo em gravações ao vivo, mais algumas bandas de heavy metal do estado.
Assim como os mineiros do Sepultura, São Paulo também teve seu representante no mercado exterior. André Matos foi vocalista da banda Viper, que alcançou grande sucesso lá fora, principalmente no Japão, que adora heavy metal melódico. Depois, ao sair da banda, formou o Angra, que seguiu os mesmos passos do Viper e ganhou, além do Japão, o mercado europeu, principalmente na França. Saindo também do Angra, André montou o Shaman, que continuou a trilha de sucesso no exterior, mas sem o impacto das duas anteriores. O Viper tentou sobreviver sem André, o que conseguiu por pouco tempo, assim como o Angra, que teve mais tempo de sucesso.
Outra banda que tentou o mercado exterior foi o Dr. Sin, dos experientes irmãos Busic. A prova da versatilidade da banda é que eles acompanharam, por um bom tempo, o cantor Supla, em suas empreitadas solos por shows que quase sempre terminavam em pancadaria ou guerra de cuspes, já que a origem quatrocentona de Supla nunca combinou com o punk rock, um ritmo marginal por excelência. Mas como Dr. Sin, os irmãos Busic mais o guitarrista Eduardo Ardanuy alcançaram relativo sucesso, aqui e no exterior, calcado na precisão técnica dos três músicos.
Uma banda de destaque nesse cenário hard/metal paulista é o Golpe de Estado. Das cinzas de várias outras bandas setentistas, mais algumas bandas covers de então, o Golpe foi formado por músicos tarimbados, com destaque para as “estrepolias” praticadas ao vivo pelo vocalista Catalau. Pois foi justamente ele que, ao se converter ao cristianismo, deixou a banda e passou a gravar canções gospel. A banda tentou sobreviver sem ele, o que conseguiu por algum tempo. Não acabou oficialmente, mas é como se fosse.
Da mesma estirpe do Golpe de Estado, tivemos Inox, Platina (com os onipresentes irmãos Busic), Patrulha do Espaço (fundada nos anos 70 pelo ex-Mutante Arnaldo Batista, mas que solidificou sem som hard rock nos anos oitenta), e tantas outras, fazendo com que a cena heavy metal paulista seja, até hoje, seja uma das mais fervilhantes de toda América Latina. Não é à toa que várias bandas de destaque no cenário metal mundial incluam a cidade em seu roteiro de shows. Isso faz com que a troca de experiências musicais seja constante e que nossas bandas estejam em sintonia com tudo o que há de mais moderno no mundo.



15 – O Rock Paulista – do Heavy Metal

Herdeiros diretos das bandas de hard rock dos anos 70, as bandas de heavy metal de São Paulo vinham se mostrando desde o começo dos anos 80, junto com a explosão do punk. Mesmo lá fora, essa união de estilos já vinha dando seus frutos. A própria New Wave Of British Heavy Metal, cena de onde saíram, entre outros, Iron Maiden e Saxon, era uma resposta do heavy metal ao punk rock, que ditava as regras na virada dos anos 70 para 80. Aqui, não era incomum bandas de metal tocarem junto com bandas de punk. Isso, no entanto, até as cenas de solidificarem. A cena punk começou a se organizar com o lançamento do Grito Suburbano, primeiro disco de punk rock do mercado nacional, lançado de forma independente, em 1982. Logo após o lançamento do compacto do Lixomania, no final daquele mesmo ano, outra coletânea é lançada em 1983, a SUB, com mais bandas.
No heavy metal, pelo contrário, uma característica nos lançamentos era a exclusividade. Assim, o primeiro disco de heavy metal brasileiro é considerado o da banda Stress, de Belém do Pará. Depois deles, a banda Karisma, do ABC paulista, lança de forma independente seu primeiro LP, todo gravado em inglês. Idem para os santistas do Vulcano, que lançam o primeiro disco de black/death brasileiro, totalmente gravado ao vivo, o Vulcano Live!. Mas um par de coletâneas ajudou a catapultar o estilo por aqui. Trata-se da SP Metal I e SP Metal II, ambas lançadas pela Baratos Afins, reunindo as bandas mais promissoras do estado em dois discos fundamentais para o heavy metal brasileiro. Além dessas duas coletâneas, a Baratos Afins ainda lançou a São Power, já nos anos 90, reunindo em gravações ao vivo, mais algumas bandas de heavy metal do estado.
Assim como os mineiros do Sepultura, São Paulo também teve seu representante no mercado exterior. André Matos foi vocalista da banda Viper, que alcançou grande sucesso lá fora, principalmente no Japão, que adora heavy metal melódico. Depois, ao sair da banda, formou o Angra, que seguiu os mesmos passos do Viper e ganhou, além do Japão, o mercado europeu, principalmente na França. Saindo também do Angra, André montou o Shaman, que continuou a trilha de sucesso no exterior, mas sem o impacto das duas anteriores. O Viper tentou sobreviver sem André, o que conseguiu por pouco tempo, assim como o Angra, que teve mais tempo de sucesso.
Outra banda que tentou o mercado exterior foi o Dr. Sin, dos experientes irmãos Busic. A prova da versatilidade da banda é que eles acompanharam, por um bom tempo, o cantor Supla, em suas empreitadas solos por shows que quase sempre terminavam em pancadaria ou guerra de cuspes, já que a origem quatrocentona de Supla nunca combinou com o punk rock, um ritmo marginal por excelência. Mas como Dr. Sin, os irmãos Busic mais o guitarrista Eduardo Ardanuy alcançaram relativo sucesso, aqui e no exterior, calcado na precisão técnica dos três músicos.
Uma banda de destaque nesse cenário hard/metal paulista é o Golpe de Estado. Das cinzas de várias outras bandas setentistas, mais algumas bandas covers de então, o Golpe foi formado por músicos tarimbados, com destaque para as “estrepolias” praticadas ao vivo pelo vocalista Catalau. Pois foi justamente ele que, ao se converter ao cristianismo, deixou a banda e passou a gravar canções gospel. A banda tentou sobreviver sem ele, o que conseguiu por algum tempo. Não acabou oficialmente, mas é como se fosse.
Da mesma estirpe do Golpe de Estado, tivemos Inox, Platina (com os onipresentes irmãos Busic), Patrulha do Espaço (fundada nos anos 70 pelo ex-Mutante Arnaldo Batista, mas que solidificou sem som hard rock nos anos oitenta), e tantas outras, fazendo com que a cena heavy metal paulista seja, até hoje, seja uma das mais fervilhantes de toda América Latina. Não é à toa que várias bandas de destaque no cenário metal mundial incluam a cidade em seu roteiro de shows. Isso faz com que a troca de experiências musicais seja constante e que nossas bandas estejam em sintonia com tudo o que há de mais moderno no mundo.



17 – O Rock Paulista – dos 90 para o século XXI

Após as experiências ingênuas das primeiras décadas, após o aprendizado nos anos 80 e após a consolidação nos anos 90, o rock feito no Brasil entrou no século XXI totalmente consolidado. Já não era mais motivo de risos ou estranhamento (como nos primeiros anos) ou de preocupação, como nos anos de protesto ou até mesmo das reivindicações. O rock passou a ser a língua universal do jovem brasileiro como no resto do mundo, sem nenhum alarde por parte da mídia ou dos pais, em geral antigos roqueiros. Por isso, muito da nova produção negava a anterior produzindo sons que chamavam de rock, mas que foge totalmente do contexto original desse som. Cantores como o carioca Marcelo D2, por exemplo, insistem em fazer um amálgama que partiu do rock (de sua antiga banda Planet Hemp, de repercussão de mídia maior que musical) para sons como hip hop e samba.
Essas experiências abrasileiradas e conformistas do rock ganham corpo com a entrada da TV norte-americana especializada em música, a MTV, que monta uma filial em nossa capital. Primeiramente elitista ao extremo, de programação totalmente obscura e seletiva, aos poucos a programação vai se rendendo às massas, e começam a ser exibidos vídeos, shows e programas de músicos e bandas que não de rock. Sambistas ganham força na programação na mesma medida que as novas e inofensivas bandas de rock. Isso dilui por completo o estigma de que “roqueiro brasileiro sempre teve cara de bandido”, como preconizou Rita Lee. Ela própria parte para experiências acústicas e de bossa nova que a distanciam dos áureos tempos de rock´n´roll dos anos 70.
Em paralelo a esse fenômeno de massificação e assimilação do rock no Brasil, temos o advento do punk rock & hardcore melódico nos países anglo-saxões. Isso não passa despercebido por aqui, e muitas bandas surgem fazendo esse som, que une a rispidez, rapidez e distorção do punk e hardcore com letras que evocam sentimentos adolescentes quase pueris. As principais bandas dessa cena vêm de São Paulo, destacando-se Dance of Days, CPM22, Glória, etc. Desse estilo para o emotional hardcore (ou “emo”) foi um pequeno passo – apesar das maiorias das bandas negarem a paternidade do estilo ou mesmo pertencerem a ele, já que é carregado de estereótipos, em geral, pejorativos.
O público, que num primeiro momento vem do punk (já que essa fórmula já era usada pelos Ramones ou Buzzcocks, por exemplo), começa a diminuir cada vez mais de idade, fazendo com que essa manifestação musical ganhe cada vez mais adeptos entre os pré-adolescente. Se os punks dos primeiros anos começaram a curtir seu som entre os 15, 16 e 17 anos, agora a meninada começa a se descobrir “rebelde” ou “alternativa” por volta dos 13, 14 anos. E para combinar com esse público, as bandas também são formadas basicamente por músicos adolescentes que ainda se preocupam, entre uma música e outra, com as notas que estão tirando na escola.
Não por acaso, esse novo estilo musical traz um colorido quase infantil ao visual e ao estilo tocado pelas bandas. Bandas como Cine, Restart e outras fazem o chamado happy rock, já que não há como catalogá-los em qualquer categoria conhecida, todas fora do estilo “feliz” adotado por essas bandas. Os pais não se sentem intimidados com os músicos como antigamente – pelo contrário, muitos dariam ótimos futuros genros ou noras!
No entanto, há que se levar em consideração a evolução dos tempos. Não exatamente no quesito rock ou sua evolução como estilo, pois essa diminuição da faixa etária não é exatamente um salto qualitativo, principalmente se levarmos em consideração tudo o que já foi feito em matéria de rock no mundo. Mas trata-se de sua renovação. Se por um lado há uma entrada de gente que não deveria adentrar num mundo “impróprio” para menores, há também a renovação do gosto pelo som da guitarra, por um baixo estalado, por uma bateria cadenciada e um bumbo pulsante. Se as letras tratam de assuntos nada relevantes hoje, com certeza esses meninos crescerão e descobrirão novos sons e novas bandas e, dentre elas, as de rock de verdade.

por Jorge Vitzac



Ira - Pobre Paulista


365 - São Paulo


Inocentes - Pânico em SP


Garotos Podres - Rock de Suburbio

Nota:

O texto foi plagiado
descaradamente do site:
Rock Paulista

Um comentário:

  1. Sobre o comentário acima, de que esse belíssimo texto tenha sido plagiado do site Rock Paulista, apenas um esclarecimento, não foi plágio, pelo simples motivo que o "dono" do site Rock Paulista, é o próprio autor do texto, ou seja, ambos os textos foram escritos por Jorge Vitzac (RIP). O texto foi apenas reproduzido aqui, com os devidos créditos!

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