terça-feira, 9 de agosto de 2011

O Enforcado

Cárcere Frio e gélido. Análogo a pedra que fora entalhada no mausoléu de seus sonhos idos. Um sepulcro sem flores murchas ou vasos trincados pelo tempo, sem os prantos fingidos das carpideiras em seus longos e caros vestidos negros ou as luzes dos mortos tremulando através dos círios esbranquiçados, sem arrependimentos ou expectativas, sem vida... Abandonado, só e exclusivamente abandonado. Frio e úmido semelhante a um crânio exposto à neblina e resguardado por musgos. Um mero escombro ósseo e cinzento cingido por briófitas verde-escuras exalando odores velhos mesclados com o aroma úmido que a garoa exala ao açoitar a poeira no chão, plantas grosseiras que ironicamente são uma presença sutil da vida ante a morte como as mãos calejadas do coveiro na pá mortuária que sepulta um indigente honestamente lamentado por ninguém ou um nobre burguês falsamente lacrimejado por todos. Um claustro frio e detestável comparável à Morte, o parâmetro ecumênico para ponderar o vivo.
Observado por corvos famintos, neste cubículo padece um corpo semimorto suspenso à procura do viver. Um corpo débil e impotente oscilando à ação do próprio peso. Um pêndulo cadavérico resistindo à decisão final do Ceifador. Um corpo oscilante implorando por mais um suspiro nunca antes estimado. Nesta escuridão a luz pálida do astro noctívago atravessa o vazio entre as grades da janela clareando delicadamente a carcaça semi-viva, tal como um círio funerário vela com dedicação seu cadáver. Seus olhos em brasa brilham num corpo gelado buscando a claridade lunar que ilumina seu rosto amedrontado e os fragmentos de sua esperança num chão distante aos seus pés, não obstante próximo aos seus olhos. Seus olhos fitam o lampejo de luz da mesma forma que os olhos angustiados de um náufrago avistam uma nau distante após dias de fome e friagem.
Um colarinho fraco atado por uma forte corda. Apesar da pouca luz que reflete ele não vê ou escuta sua própria sombra, mas para olhos vivos e mentes silenciosas é possível vê-la ou senti-la refletida nas paredes bolorentas do cárcere frio e sujo. Ela agita-se a cada pensamento. Esta perturbadora silhueta sorri com escárnio de seu causador. Sombra inquieta, porém este espectro impetuoso segreda um arcano intrigante para os ouvidos suspensos que não querem escutar: A corda suspendendo o corpo no centro das quatro paredes e é uma ilusão. Uma maldita miragem de mau gosto esculpida pelas mãos dele mesmo. Uma escultura medonha feita com sonhos despedaçados.
Fecha os olhos sem escutar qualquer voz que não venha de sua mente. Já não pode ver luz qualquer, sentir o cheiro úmido da sua cela ou sentir o gosto amargo de sua saliva sem a capacidade de sorvê-la. Angustia e asfixia. Com o rosto sem tonalidade clareado brandamente pela luz macilenta o enforcado restaura toda a força adquirida num extenso período para mais um suspiro breve e asfixiado... E dorme em seguida, embalado num sono sem sonhos na qual jamais despertará.

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