
"Oswald de Andrade, ao chamar-me futurista, errou"
(Mário de Andrade)
(Mário de Andrade)
Numa época em que o Rio de Janeiro se configurava como a capital política, São Paulo é o pólo das novas bases do país, cidade líder da nação, visando quebrar com as tradições do Brasil oitocentista, dos latifundiários e do Império. O séc. XX trouxe a cidade à luz elétrica, aos primeiros bondes também elétricos e aos automóveis. Comparada a grandes cidades européias e norte-americanas, São Paulo parece acompanhar uma curva ascendente em seu crescimento industrial.
A avaliação, portanto, é positiva. A importância de São Paulo como centro comercial é confirmada em 1913, através da fundação da 1ª loja de departamentos do Brasil, a Mappin Stores. Tudo isso ocorria já desde os fins do século anterior, pois a cidade se tornava o grande mercado do café, já que, como centro ferroviário, é o entreposto comercial para o qual converge toda a produção do interior antes de seguir para Santos. O epicentro da nova vida paulistana localiza-se, sobretudo, na rua XV de Novembro. Nela se instala o comércio mais elegante, as redações dos primeiros jornais e estabelecimentos bancários, entre eles o banco Alemão e o Banco Comércio e Indústria. Há ainda a função de entretenimento: restaurantes, confeitarias e até a sede do Jockey Club.
Apesar do declínio da economia cafeeira no início do século, a cidade se engaja no setor industrial de qualquer forma. A diversificação de produtos não era ainda muito grande, mas algumas fábricas modernas já começam a se sobressair, caso da Fábrica de Cerveja Companhia Antarctica, que em 1888 possuía um estabelecimento de 6000 m². Mas é mesmo entre 1911 e 1913 que ocorre o início da verticalização paulistana, somado também ao crescimento horizontal da cidade, fomentada pelas linhas de bonde da Light, dita "o polvo canadense". É a cidade tentacular. São Paulo, portanto, integra-se à vida moderna no plano material como um núcleo transformado pelos efeitos da industrialização.
É este estado de espírito que toma conta também da elite intelectual. E este contexto faz com que o futuro grupo de vanguarda combata o regionalismo, na medida em que se refere a um Estado que desfruta metade da fortuna nacional. A visão dos modernistas transforma São Paulo na epítome do espírito moderno, na realidade da cidade futurista. Caracterizada pela frieza das fábricas ela está, econômica e artisticamente, sob a batuta do trânsito, das buzinas e letreiros luminosos...
O futurismo em São Paulo foi, definitivamente, uma influência em vários níveis de profundidade das possibilidades desse termo. Uma das maiores questões modernas no Brasil, sem dúvida, foi a aceitação ou não do termo "futurista". É por conceber a arte como manifestação popular em um momento histórico que os modernistas pregam uma possível atualização estética brasileira. Muito peculiarmente, os antigos conhecimentos (que não serviam mais às questões práticas da nova vida urbana) eram chamados de "periismo" (referência à personagem indianista de José de Alencar). Porém, é importante notar que o passado não é negado em bloco. O que se combate na verdade é o conservadorismo.
A arte paulistana adquire um caráter não meramente estético, mas sociológico. Coerentes a esse ponto, os modernistas constroem sua idéia de modernidade sobre núcleos centrais do futurismo: a conseqüência das técnicas, que agora transformam a vida e a necessidade de expressar artisticamente os desafios do novo tempo.
Saltar fora dos fenômenos industriais, portanto, não interessava aos modernistas, empenhados como estavam na exaltação da sociedade tecnológica, da qual a própria cidade era o símbolo mais significativo. Postular o primitivismo era assumir a possibilidade de estar fora da modernidade; arcaicos ou pré-modernos.
No Brasil, a concepção de futurismo transita por três questões principais: o significado deste movimento, a percepção da existência de dois futurismos e, conseqüentemente, a postulação do futurismo paulista, que de toda forma não está contido nos limites do futurismo marinettista (à italiana). Seria, antes, o desprezo pelo culto ao passado, a originalidade acima de todas as outras questões e até da arte pela arte. É por isso que o futurismo paulista, que não é, portanto, dogmático – como sublinham Oswald de Andrade e Menotti Del Picchia, entre outros – recebe, pouco antes da Semana de Arte Moderna, sua formulação definitiva, que era caracterizada pela negação às escolas organizadas e liturgias literárias, "máxima liberdade dentro da mais espontânea originalidade". Tudo isso são índices significativos de que o futurismo é concebido, antes de tudo, como um dos momentos de atuação da vanguarda, sem deixar, porém, de ter um referencial no movimento de Marinetti.
Indústria vanguardística ou vanguarda industrialista?
Paulicéia Desvairada é a prova cabal da existência do "futurismo paulista". Nele, Mário de Andrade lança mão da enumeração de características advindas da vivência urbana para a contextualização da poesia paulistana moderna: a cidade tentacular como ponto principal; depois os movimentos da multidão, novos ritmos laboriosos, pontos de vista voltados para o futuro, juventude exaltada... Mas a graça de Mário de Andrade está necessariamente em afirmar que a Paulicéia é um livro atual, não voltado para o futuro, análise de um estado momentâneo que não subsiste, e que ele próprio não deve ser preso "à estrebaria malcheirosa de qualquer escola". Isto tudo é conforme às suas próprias idéias, no momento em que Andrade define como "futuristas" os revolucionários e inovadores de todos os tempos, ou no ataque generalizado ao conservadorismo, que ponteia os textos também de Del Picchia.
Enquanto afastados de Marinetti, de certa forma são correlatos ao ideário de Papini, que diz em seu texto Stroncature que o "futurismo (...) não quer destruir o passado – o que seria absurdo – e sim a adoração exagerada e, portanto, nociva do passado que domina a maioria dos espíritos do presente. (...) Seu lema é antes de tudo, originalidade".
A crítica moderna brasileira ao futurismo de Marinetti, demonstra, acima de tudo, que se conjugássemos os três dados fatores maiores e fundamentais da modernidade (massas, avanços técnicos, politização), detectaríamos que no Brasil ainda não existiam as condições ideais ao pleno desenvolvimento de um projeto moderno. Na esfera da subjetividade, a arte moderna deve estar à altura da industrialização, e não fazer dela um tema. A visão moderna da Paulicéia é muito mais um "mito tecnizado", uma projeção – sintoma do devir – do que uma realidade de fato...
por
Eduardo Sguerra
A avaliação, portanto, é positiva. A importância de São Paulo como centro comercial é confirmada em 1913, através da fundação da 1ª loja de departamentos do Brasil, a Mappin Stores. Tudo isso ocorria já desde os fins do século anterior, pois a cidade se tornava o grande mercado do café, já que, como centro ferroviário, é o entreposto comercial para o qual converge toda a produção do interior antes de seguir para Santos. O epicentro da nova vida paulistana localiza-se, sobretudo, na rua XV de Novembro. Nela se instala o comércio mais elegante, as redações dos primeiros jornais e estabelecimentos bancários, entre eles o banco Alemão e o Banco Comércio e Indústria. Há ainda a função de entretenimento: restaurantes, confeitarias e até a sede do Jockey Club.
Apesar do declínio da economia cafeeira no início do século, a cidade se engaja no setor industrial de qualquer forma. A diversificação de produtos não era ainda muito grande, mas algumas fábricas modernas já começam a se sobressair, caso da Fábrica de Cerveja Companhia Antarctica, que em 1888 possuía um estabelecimento de 6000 m². Mas é mesmo entre 1911 e 1913 que ocorre o início da verticalização paulistana, somado também ao crescimento horizontal da cidade, fomentada pelas linhas de bonde da Light, dita "o polvo canadense". É a cidade tentacular. São Paulo, portanto, integra-se à vida moderna no plano material como um núcleo transformado pelos efeitos da industrialização.
É este estado de espírito que toma conta também da elite intelectual. E este contexto faz com que o futuro grupo de vanguarda combata o regionalismo, na medida em que se refere a um Estado que desfruta metade da fortuna nacional. A visão dos modernistas transforma São Paulo na epítome do espírito moderno, na realidade da cidade futurista. Caracterizada pela frieza das fábricas ela está, econômica e artisticamente, sob a batuta do trânsito, das buzinas e letreiros luminosos...
O futurismo em São Paulo foi, definitivamente, uma influência em vários níveis de profundidade das possibilidades desse termo. Uma das maiores questões modernas no Brasil, sem dúvida, foi a aceitação ou não do termo "futurista". É por conceber a arte como manifestação popular em um momento histórico que os modernistas pregam uma possível atualização estética brasileira. Muito peculiarmente, os antigos conhecimentos (que não serviam mais às questões práticas da nova vida urbana) eram chamados de "periismo" (referência à personagem indianista de José de Alencar). Porém, é importante notar que o passado não é negado em bloco. O que se combate na verdade é o conservadorismo.
A arte paulistana adquire um caráter não meramente estético, mas sociológico. Coerentes a esse ponto, os modernistas constroem sua idéia de modernidade sobre núcleos centrais do futurismo: a conseqüência das técnicas, que agora transformam a vida e a necessidade de expressar artisticamente os desafios do novo tempo.
Saltar fora dos fenômenos industriais, portanto, não interessava aos modernistas, empenhados como estavam na exaltação da sociedade tecnológica, da qual a própria cidade era o símbolo mais significativo. Postular o primitivismo era assumir a possibilidade de estar fora da modernidade; arcaicos ou pré-modernos.
No Brasil, a concepção de futurismo transita por três questões principais: o significado deste movimento, a percepção da existência de dois futurismos e, conseqüentemente, a postulação do futurismo paulista, que de toda forma não está contido nos limites do futurismo marinettista (à italiana). Seria, antes, o desprezo pelo culto ao passado, a originalidade acima de todas as outras questões e até da arte pela arte. É por isso que o futurismo paulista, que não é, portanto, dogmático – como sublinham Oswald de Andrade e Menotti Del Picchia, entre outros – recebe, pouco antes da Semana de Arte Moderna, sua formulação definitiva, que era caracterizada pela negação às escolas organizadas e liturgias literárias, "máxima liberdade dentro da mais espontânea originalidade". Tudo isso são índices significativos de que o futurismo é concebido, antes de tudo, como um dos momentos de atuação da vanguarda, sem deixar, porém, de ter um referencial no movimento de Marinetti.
Indústria vanguardística ou vanguarda industrialista?

Enquanto afastados de Marinetti, de certa forma são correlatos ao ideário de Papini, que diz em seu texto Stroncature que o "futurismo (...) não quer destruir o passado – o que seria absurdo – e sim a adoração exagerada e, portanto, nociva do passado que domina a maioria dos espíritos do presente. (...) Seu lema é antes de tudo, originalidade".
A crítica moderna brasileira ao futurismo de Marinetti, demonstra, acima de tudo, que se conjugássemos os três dados fatores maiores e fundamentais da modernidade (massas, avanços técnicos, politização), detectaríamos que no Brasil ainda não existiam as condições ideais ao pleno desenvolvimento de um projeto moderno. Na esfera da subjetividade, a arte moderna deve estar à altura da industrialização, e não fazer dela um tema. A visão moderna da Paulicéia é muito mais um "mito tecnizado", uma projeção – sintoma do devir – do que uma realidade de fato...
por
Eduardo Sguerra
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